
Poesias de Jorge Luis Borges - Página 3

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. A progressiva cegueira de Borges ajudou-o a criar novos símbolos literários através da imaginação, já que "os poetas, como os cegos, podem ver no escuro."
Índice
Labirinto;
Limites;
Nostalgia do Presente;
O Apaixonado;
O Cego - I;
O Cego - II;
O Cúmplice.
Labirinto
Não haverá uma porta. Já estás dentro,
Mas o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem muro externo nem secreto centro.
Não penses que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha
De interminável pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No escuro do crepúsculo uma fera.
(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)
Limites
Dos caminhos que estendem o poente
Um (não sei qual) há de ser percorrido
A última vez, por mim, indiferente,
E sem que o adivinhe, submetido
A Quem prefixa onipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras, imaginações e formas
Que destecem e tecem esta vida.
Se para tudo há termino e há compasso
E última vez e nunca mais e olvido,
Quem nos dirá de quem, em nosso espaço,
Sem sabê-lo, nos temos despedido?
Sob o cristal já gris a noite apaga;
Do alto dos livros que um borrão tisnado
Da sombra espalha pela mesa vaga,
Algum deles jamais será folheado.
Há no Sul um portão enferrujado
Com grandes jarras de alvenaria
E tunas que a mim estará vedado
Como se fosse uma litografia.
Para sempre fechaste a porta certa
E há um espelho que te aguarda insano;
A encruzilhada te parece aberta
E a vigília, quadrifonte, Jano.
Entre as memórias sempre existe aquela
Que se perdeu um dia no horizonte;
Não se verão descer àquela fonte
Nem o alvo sol nem a lua amarela.
Não achará tua voz o tom que o persa
Deu à sua língua de aves e de rosas,
Quando ao acaso, ante a luz dispersa,
Queiras dizer as coisas mais preciosas.
E o incessante Ródano e o logo,
Todo o ontem sobre o qual hoje me inclino?
Tão perdido estará como Cartago
Que no fogo e no sal viu o latino.
Creio ouvir na manhã o atarefado
Rumor de uma longínqua multidão.
É tudo o que foi caro e olvidado;
Espaço e tempo e Borges já se vão.
(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)
Nostalgia do Presente
Naquele preciso momento o homem disse:
"O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto."
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.
(Em "A Cifra". Tradução de
Fernando Pinto do Amaral.
www.citador.pt/poemas/
nostalgia-do-presente-
jorge-luis-borges)
O Apaixonado
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
(Em "História da Noite". Tradução
de Fernando Pinto do Amaral.
www.citador.pt/poemas/
nostalgia-do-presente-
jorge-luis-borges)
O Cego
I
Foi despojado do diverso mundo,
Dos rostos, que ainda são o que eram antes,
Das ruas próximas, hoje distantes,
E do côncavo azul, ontem profundo.
Dos livros lhe restou só o que deixa
A memória, essa fórmula do olvido
Que o formato retém, não o sentido,
E que apenas os títulos enfeixa.
O desnível espreita. Cada passo
Pode levar à queda. Sou o lento
Prisioneiro de um tempo sonolento
Que não registra aurora nem ocaso.
É noite. Não há outros. Com o verso
Lavro este meu insípido universo.
II
Desde meu nascimento, lá em noventa e nove,
Da côncava parreira ao poço mais profundo,
O tempo minucioso, que na memória é breve,
Foi me furtando as formas visíveis deste mundo.
Os dias e as noites limaram os semblantes
Das palavras humanas e dos rostos amados;
Em vão interrogaram meus olhos esgotados
As vãs bibliotecas e suas vãs estantes.
O azul e o vermelho são agora uma névoa
E duas vozes inúteis. O espelho que miro
É só uma coisa cinza. No jardim aspiro,
Amigos, uma lúgubre rosa em meio à treva.
Agora só perduram as formas amarelas.
E os pesadelos são minhas únicas telas.
(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)
O Cúmplice
Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos.
Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta.
Enganam-me e eu tenho de ser a mentira.
Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno.
Tenho de louvar e de agradecer cada instante do tempo.
O meu alimento é todas as coisas.
O peso exacto do universo, a humilhação, o júbilo.
Tenho de justificar o que me fere.
Não importa a minha felicidade ou infelicidade.
Sou o poeta.
(Em "A Cifra". Tradução de
Fernando Pinto do Amaral.
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