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Poesias de Jorge Luis Borges - Página 2


Jorge Luis Borges

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. A progressiva cegueira de Borges ajudou-o a criar novos símbolos literários através da imaginação, já que "os poetas, como os cegos, podem ver no escuro."



Índice

Baltazar Gracián;
Camden, 1982;
Composição Escrita em seu Exemplar da Gesta de Beowulf;
Do que Nada se Sabe;
Everness;
Ewigkeit;
Gôngora;
James Joyce.


Baltazar Gracián

Labirintos, palíndromos, emblemas,
Gelada e laboriosa ninharia,
Foi para este jesuíta a poesia,
Reduzida por ele a estratagemas.
Alma sem música, foi todo engano:
Herbário de metáforas e argúcias,
Tendo veneração pelas astúcias
E desdém pelo humano e sobreumano.
Não o moveu a antiga voz de Homero
Nem a, de prata e lua, de Virgílio;
Não viu o amargo Édipo no exílio
Nem o Cristo morrendo no madeiro.
Às brilhantes estrelas orientais,
Que empalidecem pela vasta aurora,
Apodou com palavra pecadora
As galinhas dos campos celestiais.
Desconhecendo tanto o amor divino
Como o outro que em duas bocas arde,
Eis que o surpreende a Pálida uma tarde,
A decifrar estrofes de Marino.
Seu destino ulterior não há na história.
Abandonado às mutações da impura
Tumba o pó que antes foi sua figura,
A alma de Gracián entrou em glória.
O que sentiu ao contemplar de frente
Arquétipos e Luzes das alturas?
Chorou talvez e disse: inutilmente
Busquei alento em sonhos e imposturas.
O que lhe ocorre quando o inexorável
Sol de Deus, a Verdade, o ilumina?
Quem sabe o deixa cego a luz divina
Em meio a essa glória interminável?
Sei de outra conclusão. Preso aos seus temas
Minúsculos, Gracián não viu a glória
E segue revolvendo na memória
Labirintos, palíndromos e emblemas.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)


Camden, 1982

O cheiro do jornal e dos periódicos.
O domingo e seus tédios. A manhã
E na entrevista página essa vã
Publicação de versos alegóricos

De um colega feliz. O homem velho
Está prostrado e branco na decente
Habitação de pobre. Ociosamente
Olha seu rosto no cansado espelho.

Pensa, já sem assombro, que esse cara
É ele. Incerta, a mão acaso toca
A barba turva e a saqueada boca.

Não está longe o fim. Sua voz declara:
Quase não sou, mas os meus versos ritmam
A vida e sua glória. Sou Walt Whitman.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)


Composição Escrita em seu Exemplar da Gesta de Beowulf

Às vezes me pergunto que razões
Me movem a estudar sem esperança
De precisão, enquanto a noite avança,
O idioma dos ásperos saxões.

No desgaste dos anos a memória
Deixa cair em vão a repetida
Palavra e é assim que a minha vida
Tece e destece a sua exausta história.

Porventura de algum modo, contudo,
Secreto e suficiente a alma sabe
Que é imortal e que seu vasto e grave

Círculo abarca tudo e pode tudo.
Mas além deste afã e deste verso
Me aguarda inesgotável o universo.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)


Do que Nada se Sabe

A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,
Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
E truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?

[em "A Rosa Profunda".]
(www.citador.pt/poemas/
do-que-nada-se-sabe-
jorge-luis-borges)


Everness

Só uma coisa não há. Esta é o olvido.
Deus, que salva o metal e salva a escória,
Numera na profética memória
As luas que serão e que hajam sido.

Tudo já está. Os mil reflexos velhos
Que por entre os crepúsculos do dia
Teu rosto foi deixando nos espelhos
E os que ainda irá deixando todavia.

E tudo é uma parte do diverso
Cristal dessa memória, o universo;
Não têm fim os seus árduos corredores

E as portas que se fecham ao teu passo:
Do outro lado do ocaso se abre o espaço
Para os Arquétipos e Resplendores.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)

Outra fonte consultada:
www.escritas.org/pt/
jorge-luis-borges
[do livro El otro, el mismo (1964).]


Ewigkeit

Torne-me à boca o verso castelhano,
A dizer o que sempre está dizendo
Desde o latim de Sêneca: o horrendo
Ditame de que o verme é soberano.

Torne a cantar a palidez da cinza,
Os fastígios da morte e a vitória
Da rainha retórica que pisa
Os estandartes ocos da vanglória.

Não assim. O meu barro agradecido
Eu não o vou negar como um covarde.
Sei que não há uma coisa: é o olvido.

Sei que na eternidade dura e arde
O muito e o melhor por mim perdido:
Esta frágua, esta lua e esta tarde.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)


Gôngora

Marte, por guerra. Febo, o sol. Netuno,
O mar que já não podem ver meus olhos
Porque o apaga o deus. Esses escolhos
Desterram a Deus, que é Três e é Uno,
Do meu desperto coração. Meu fado
Impõe-me esta curiosa idolatria.
Cercado estou pela mitologia.
Nada posso. A Virgílio devotado.
Virgílio e o latim. Fiz com que cada
Estrofe fosse um árduo labirinto
De entretecidas vozes, um recinto
Vedado ao vulgo que é somente nada.
No tempo, que se vai, vejo uma seta
Rígida, um cristal numa corrente
E pérolas na lagrima dolente.
Tal é o estranho ofício do poeta.
Que me importam a mofa ou o renome?
Chamei de ouro o cabelo, que está vivo.
Quem me dirá se no secreto arquivo
De Deus estão as letras do meu nome?

Quero volver às coisas como são:
Um cântaro, umas rosas, a água, o pão…

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)


James Joyce

Em apenas um dia estão os dias
Do tempo, desde aquele inconcebível
Dia inicial do tempo, em que o terrível
Deus prefixou os dias e agonias

Até aquele em que o ubíquo rio
Do tempo terrenal torne à nascente,
Que é o Eterno, e se apague no presente,
O futuro, o que foi e o que ora expio.

Entre a aurora e a noite está a história
Universal. Vejo, do fundo breu
A meus pés o caminho do hebreu,

Cartago aniquilada, Inferno e Glória
Dá-me, Senhor, coragem e alegria
Para escalar a escarpa deste dia.

Cambridge, 1968.

(em “Quase Borges: 20 transpoemas
e uma entrevista”. [traduções de
Augusto de Campos]. São Paulo:
Terracota, 2013.)

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Fonte Principal

Templo Cultural Delfos

(E as outras fontes precitadas)


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