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Poesias de Huberto Rohden - Página 3


Huberto Rohden

Huberto Rohden (São Ludgero, Santa Catarina, 30 de dezembro de 1893 — São Paulo, 7 de outubro de 1981) foi um filósofo, educador e teólogo Brasileiro. Precursor do espiritualismo universalista, escreveu mais de 100 obras (ao final da vida, condensadas em 65 livros), enfatizando o autoconhecimento, a autoeducação e a autorrealização.



Índice

Profano, Místico, Cósmico;
Minha Luminosa Escuridão;
Após o Egocídio.


Profano, Místico, Cósmico

Quando rememoro os estágios da minha evolução,
Quedo-me, horrorizado, em face dos abismos
Em torno dos quais peregrinei ...
Quando eu era profano,
Totalmente profano,
Ou não te via de modo algum,
Ou te via como múltiplo,
Porque só enxergava o teu mundo.
E como podia deixar de ser ateísta, ou politeísta,
Que não te via ou só te via em teus efeitos?
Quando me tornei místico,
Comecei a perceber-te como o Uno e único,
Longe do pluralismo dos teus mundos,
Que me pareciam teu inimigo e negador.
Também, que semelhança haveria entre a unidade e a pluralidade?...
Mas ... a minha profanidade de anteontem
E a minha mística de ontem
Culminaram na visão cósmica de hoje.
E nessa epifania incolor e onicolor
Da minha experiência cósmica
Eu te contemplo como Brahman e Maya,
Como Nirvana e Sansara,
Como Causa e Efeito,
Como o Transcendente e o Imanente,
Como o Deus do mundo e o Mundo de Deus ...

Mas, o que hoje sei de ti,
Ao fulgor da Luz Universal,
Nunca o poderei dizer a ninguém.
Verbalmente ou mentalmente...
O que de ti sei,
Em silenciosa experiência,
Nunca o poderei dizer à minha mente,
Nem a meus ouvidos,
Nem à mente e aos ouvidos de outros...
Só o sei no silencioso anonimato
Da minha sagrada experiência...
Pequeno e profano é tudo que é dizível
E pensável -
Grande e sagrado é somente o que é indizível
E impensável...
Os "ditos indizíveis" vividos
No "terceiro céu" da experiência divina...
Tu, meu Deus, és a Luz Impolar
Em todas as luzes pluripolares,
Tu és o fecundo Silêncio
Em todos os ruídos estéreis,
Nos sons articulados dos homens
E nos sons inarticulados da natureza...
Quando, por momentos, o meu humano conhecer
Atinge o teu divino Ser,
Roçando com levíssimas asas de andorinha
As fímbrias do Infinito -
Então eu vislumbro o que tu és, ó anônima e silente Divindade!
Mas este meu saber jaz amortalhado
Em impenetrável mistério
Para meu ego consciente e vígil.
Porque esse saber da alma é o não-saber do Intelecto
E dos sentidos ...
Somente o meu silente Eu sabe o que tu és.
O meu ruidoso ego te ignora ...
Na imensa catedral do meu saber anônimo
Eu celebro a minha liturgia cósmica,
Adorando...
Amando...
Saboreando...
A vida Universal...

("A Voz do Silêncio" - Ed. Martin Claret)


Minha Luminosa Escuridão

Lá se vão os tempos remotos
Em que eu me sentia satisfeito,
Obscuramente satisfeito,
Na minha amorfa ignorância,
Na minha incolor neutralidade...
Possuía tudo que desejava
E bem pouco era esse tudo,
Porque as minhas potências dormiam
O longo sono da sua inexperiência...
E o incônscio equilíbrio
Entre o meu pequeno desejar,
E o meu pequeno possuir
Era a bitola da minha satisfação,
O estático nivelamento
Entre a potencialidade das minhas aspirações
E a atualidade das minhas realizações.

Mas ai! que despertou,
Nas profundezas do meu ser,
Algo como um estranho querer
Algo como uma longínqua alvorada,
Que me fazia adivinhar vagamente
Um luzeiro para além dos horizontes
Das minhas rotineiras satisfações...
E esse adivinhar de uma luz ignota,
Para além das trevas tão notas
Do meu costumado viver,
Encheu-me a alma de pressaga insatisfação...
Irrequietas, oscilaram em mim
Todas as agulhas magnéticas...
Despertaram as angústias subterrâneas
Da minha natureza lucigênita
Que ainda em trevas dormia...
Acordou em mim o instinto migratório
Da ave que adivinha tépidas primaveras
E cálidos estios,
Para além dos frígidos outonos
E dos gélidos invernos
Da sua querência nativa...

Abriu-se vasto abismo
Entre o que eu era
E o que desejava ser,
Entre as minhas realidades finitas
E as minhas possibilidades infinitas.
Fiz a estranha descoberta
De que eu era muito mais
O muito que desejava ser
Do que o pouco que era...
Tornei-me peregrino do Infinito.
E desde então acredito mais
No muito que ignoro
Do que no pouco que sei...
Minha vida começou a gravitar
Em torno dum centro ignoto,
Mais dinâmico que todas as coisas
Que eu possuía e conhecia.
O meteoro erradio da minha vida
Passou a ser planeta,
Posto em órbita heliocêntrica.
Ultrapassei o estágio primário
Da infeliz satisfação,
Entrei na etapa secundária
Da feliz insatisfação
Mas ainda não gozo plenamente
O "terceiro céu"
Da feliz satisfação...
Algo me diz que estou longe
Dessa meta final,
Ainda que em caminho certo.

E haverá mesmo meta final?
Poderá o humano finito
Atingir o divino Infinito?
Não consistirá a vida eterna
Nesse eterno jornadear,
Rumo à meta distante?...
Nessa agridoce nostalgia do eterno termo?
Nessa dulcíssima tortura
De estar no caminho certo,
Mas sempre longínquo do termo?
Nesse misto de luzes e trevas;
Nessa insatisfeita felicidade;
Nessa feliz insatisfação?...
Nesse inebriante buscar a Deus
E nesse inquietante possuir a Deus?

Estranho paradoxo!
Quanto mais possuo a Deus,
Mais o procuro.
Quanto mais deliciosamente o gozo,
Mais dolorosamente o sofro...
E desse doloroso gozar,
Esse gozoso sofrer,
É todo o meu inferno celestial...
É a luminosa escuridão
Da minha paradoxal beatitude...

("Escalando o Himalaia" - Ed. Martin Claret)


Após o Egocídio

Meu era o dinheiro.
Meu era o corpo.
Meu era o intelecto.
Meu era isto.
Meu era aquilo.
Tudo era meu.
Só meu - e de mais ninguém.
E, para constar que tudo aquilo era meu,
Eu fazia seguros de vida e de bens,
Assinava, sobre estampilhas oficiais,
Com firma reconhecida,
Solenemente carimbado,
Que isto e aquilo era meu,
Meu somente...
Tamanha era a insensatez
Da minha sensatez!
Tão inseguro era eu,
Que de tantos seguros necessitava!
Eu era senhor de tantos "meus"?
Porque ainda ignorava o meu verdadeiro Eu,
Que não necessita de "meus" nem de "seguros".
Identificava-me com o meu pseudo-eu,
Com o meu ego personal.
Que necessita de "meus" e de "seguros",
Porque é um pseudo-eu muito inseguro...
Quem de tudo isto necessita
É um necessitado, um pobre indigente.
Agora, porém, que ultrapassei o meu pseudo-eu,
Aboli quase todos os "meus".
Também, para que ainda defender os fortins de "meus",
Depois que se rendeu a fortaleza do pseudo-eu?
Aqueles "meus" só tinham uma razão-de-ser:
Garantir a existência do falso eu.
Mas agora que o falso eu morreu,
Agora que cometi o arrojado egocídio do ego -
Para que ainda manter esses velhos fortins,
Que o ego erguera em sua defesa?
Para que fortificar ainda o cadáver do ego?

Naquele tempo, toda a segurança me vinha de fora,
Da parte desses "meus".
Hoje, toda a minha segurança me vem de dentro,
Da alma do meu divino Eu.
E, sob a égide do grande Eu,
Se sente seguro até o pequeno ego.
Ressuscitou para uma vida nova.
Integrou-se, finalmente, no Eu divino.
Morreu o ego para o ego
E reviveu no Eu.
Se o ego não morresse,
Ficaria estéril;
Mas agora que morreu para si,
E ressurgiu no Eu -
Produz muito fruto...

("A Voz do Silêncio" - Ed. Martin Claret)

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Fonte dos Textos

www.cuidardoser.com.br


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