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Poesias de Anna Akhmátova - Página 5


Anna Akhmátova

Anna Akhmátova (em russo e ucraniano: А́нна Ахма́това, Odessa, 23 de junho de 1889 — Leningrado, 5 de março de 1966) pseudônimo de Anna Andreevna Gorenko), foi uma das mais importantes poetisas acmeístas russas. Na generalidade, a sua obra é caracterizada pela aparente simplicidade e naturalidade e pela precisão e clareza da sua escrita. Mais alguns detalhes na página 1.
(Resumido e adaptado da Wikipédia)


Índice

Primeiro Projétil de Longo Alcance...;
Os Desintegrados Pássaros...;
Pela Janela do Avião;
Cinco Anos se Passaram...;
Música;
Não me Atormentes com um Destino Terrível.


Primeiro Projétil de Longo Alcance em Leningrado

O variado rebuliço das pessoas
De repente se alterou de natureza.
Este barulho já não soa
Citadino, nem tampouco ele é rural.
Da surpresa ribombante de um trovão
É, com certeza, irmão de sangue, seu igual.
Mas no trovão há a umidade
Que habita frescas nuvens
E que vem trazer aos prados
Boas novas de uma chuva.
Porém este nos trazia uma estação daninha
E não queria o ouvido tenso
Acreditar, porquanto vinha
Acabando com o suspense
E com crescente indiferença
Para sempre me ceifar o meu filhinho.

1941.


* * *

Os desintegrados pássaros na linha antiaérea?
Leningrado, se pudessem te salvar dessa miséria…

Quando não roncam os canhões em plena luta,
A cidade vive um pouco, toma fôlego, escuta:

Os seus filhos sobre a neve se debatem com
Gemidos como os frios ventos do Báltico.

Das profundezas os seus gritos: “Dai-me pão!”
Até o sétimo dos céus se elevarão,

Esse céu cético, sem dó de nossa sorte…
Eu, de todas as janelas, vendo a morte,

Sempre ela, a espreitar as portinholas
E alma apavorada na gaiola.

28 de setembro 1941, a bordo do avião.


Pela Janela do Avião

1

Por milhas às centenas e por verstas,
Por quilômetros afora
Jaz o sal, e se agitam as florestas
Com as suas fauna e flora.
Como nunca à altura de estar nela,
Vejo a Pátria, pelo vão de uma janela:
Meu corpo, minha alma, penso:
Isso tudo a mim pertence.


2

Com pedrinhas demarquei aquele dia
Em que a vitória anunciei.
Enquanto, ao encontro da vitória, eu ia,
Adiantando-me ao sol, voei.


3

Quando pisei a pista de pouso,
Sob meus pés a relva pôs-se a farfalhar.
Minha casa, minha casa e meu repouso!
Como nova tu me és, e mesmo assim familiar.
A cabeça, ainda tonta, a rodar
E esse pesar no coração também é novo…
O estrondo do trovão parece ainda ressoar —
Mas a vitória é de Moscovo!

Maio 1944.


* * *

Cinco anos se passaram. Já curei minhas feridas —
Cicatrizes dessa guerra depravada.
Minha pátria,
…………………e outra vez nos russos prados
O silêncio de seu gelo remordido.

Vê o marinheiro em boa rota como ardem
Os faróis na escuridão marítima,
E este fogo que arde neles sem alarde
É como os olhos de um amigo íntimo.

Um pacífico trator, onde tanques disparavam.
Onde o incêndio crepitava, o jardim se regenera.
O automóvel fende o ar em disparada
Pela estrada outrora cheia de crateras.

Antes decepados, a agitar braços de gesso,
E agora, sobre o cepo, um novo álamo germina.
E lá, onde a separação cortou a alma, o menino
É embalado pela mãe no fofo berço.

Agora em boa têmpera estás livre,
Minha pátria!
………………….E para sempre os vivos
Na memória dos povos cicatrizem
Esses tempos de dor, pólvora e cinzas.

As novas gerações, tenham paz e vida longa.
As modernas e monumentais cidades,
Em homenagem às aldeias massacradas,
Marcarão o monumento a ferro e fogo.

Maio 1950.


Música

D. D. Sh.*

Alguma coisa milagrosa ela desperta,
Uma visão do ultrapassado limiar.
Somente ela ainda ouço a me falar
Não existindo mais quem ouse chegar perto.

O último amigo em retirada se coloque
E no túmulo comigo ainda soa a sua prece,
Como em prantos trovoadas se pusessem
E as flores começassem seu colóquio.

* para D. D. Shostakovitch.

1958.


Não me atormentes com um destino terrível
Nem com o enorme tédio setentrião.
Hoje passamos contigo o primeiro dia festivo
E essa festa recebe o nome — separação.
Não te importes, que não haja aqui aurora
E nem a lua sobre nós redunde,
Eu te presentearei agora
Com relíquias nunca vistas neste mundo:
O reflexo meu nas águas de um rio
Numa hora em que o sono não turve o fundo;
Um olhar tal, que à estrela cadente não ajude
A voltar até de onde ela caiu;
O eco de uma voz que purifica
No verão que a luz da tarde refrescou, —
Sem tremor possas ouvir os mexericos
De um corvo dos redores de Moscou;
Para que a umidade de outubro tenha gosto
Mais salubre que o bem-estar de maio…
Te lembra, anjo meu, deste meu rosto,
Te lembra, até que a primeira neve caia.

1959.


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Fonte

Templo Cultural Delfos


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