
Poesias de Anna Akhmátova - Página 2

Anna Akhmátova (em russo e ucraniano: А́нна Ахма́това, Odessa, 23 de junho de 1889 —
Leningrado, 5 de março de 1966) pseudônimo de Anna Andreevna Gorenko), foi uma das mais importantes
poetisas acmeístas russas. Na generalidade, a sua obra é caracterizada pela aparente simplicidade e naturalidade
e pela precisão e clareza da sua escrita. Mais alguns detalhes na página 1.
(Resumido e adaptado da Wikipédia)
Índice
Aprendi a viver com simplicidade, com juízo;
Torço as Mãos sob o Negro Xale...;
Porta Aberta, Luz Acesa...
Na Tsárskoie Seló: 1, 2 e 3;
Seu Vizinho, eu Perdi as Estribeiras!;
Para a Musa;
A Câmara Noturna;
Onde Está teu Ciganinho, Excelência?;
Canção de Ninar.
Torço as mãos sob o negro xale…
“Por que tanto te censuras?”
— Fiz que me ouvisse até deixá-lo
Embriagado de amargura.
Como esquecer? Ele saiu, cambaleando,
Nos lábios uma horrenda contorção…
Desci correndo, sem pegar no corrimão,
E no portão segurei ele pela manga.
Sufocada, eu gritei: “O que se deu
Foi brincadeira. Se tu fores, não aguento.”
Ele então com toda calma respondeu
E com frieza: “Não te exponhas tanto ao vento”.
1911.
Porta aberta, luz acesa,
Doces tílias murmurinham…
Esquecidos sobre a mesa
Estão a luva e o chicotinho.
Amarela a auréola do lustre…
Escuto, atenta, os murmúrios.
Por que correste tu de susto?
Nem sequer conjecturo.
Com alegria, o clarão
Do novo dia amanhecendo.
Esta vida é estupenda
E seja sábio o coração.
Te amortece a dor horrenda
E os espasmos se acalmam…
Sabe, estive lendo
Que é eterna nossa alma.
1911.
Na Tsárskoie Seló
1
Na alameda balançando longas crinas
Cavalinhos, cavaleiros às garupas.
A cidade dos mistérios me fascina,
Eu amar-te tanto assim, me procupa.
Estranho: eu gemia, contorcendo-me de medo
Ao pensar em algum dia a ausência tua,
E agora me tornei como um brinquedo
Igual o róseo meu amigo catatua.
Já pressinto que me vou não sei aonde,
Mas de lágrimas não encho os olhos meus.
Só não gosto quando o sol já vai se pondo
Enquanto os ventos a silvar como um adeus.
22 de fevereiro 1911, Tsárskoie Seló.
2
Sob o bordo, ar perplexo,
Eis meu gêmeo marmóreo.
O rosto entregue a seu reflexo,
O lago treme em sua memória.
Vão as chuvas em minério
Transformar a cicatriz de sua carne
Fria, pálida… espere…
Eu também serei de mármore!
1911.
3
Na alameda a caminhar rapaz moreno
Junto à margem mal-ferido de paixão.
Todo o globo para nós será pequeno,
Nossos pés parecem mal tocar o chão.
Sob os cepos, as agulhas dos pinheiros
Para o chão pronto retornem.
Tu, meu Par, despenteado cavaleiro…
Aqui jaz o teu tricórnio.
24 de fevereiro 1911, Tsárskoie Seló.
Seu vizinho, eu perdi as estribeiras!
Tardezinha, quarta-feira.
Uma vespa foi quem veio me zoar…
Picou no meio do meu dedo, o anelar.
Foi sem querer que a apertei
E, pelo visto, morrerá.
Se seu ferrão terá veneno, eu não sei,
Como a agulha do tear.
Em teu colo, seu vizinho, vim chorar.
Tu me darás algum sorriso?
Olha isso: no meu dedo, anular
O tão bonito meu anel de compromisso.
18-19 de março 1911.
Para a Musa
Musa-irmã, em meus olhos fitou,
Tão claro é seu olhar, tão reluzente.
De mim tomou o anel de ouro,
A flor de um primeiro presente.
Musa! Vês, meninas e esposas
E viúvas, todas elas são alegres…
Morrer de velha é melhor coisa,
Só tal peça não me pregues!
Devo colher, já adivinho,
A tenra flor da margarida
E enfrentar tudo sozinha,
A terrestre provação da minha vida.
Vejo da janela a primavera:
Viver só — é meu destino, que assim seja.
Só não quero, só não quero, só não quero
É saber, que a outra beijam.
Amanhã me vão zombar detrás do espelho:
“Não é claro teu olhar, nem reluzente…”
Eu direi: “A Musa-irmã veio colhê-lo,
O divino meu presente”.
10 de outubro 1911, Tsárskoie Seló.
A Câmara Noturna
Estas palavras de antemão que pronuncio
Atingiram meu espírito em cheio,
Uma abelha no crisântemo zuniu
E um sachê envelhecido exala cheiros.
Na câmara, tu vês, não há janelas, só um vão.
Torso de colecionador, o amor exposto nu
E sobre a cama, em francês, uma inscrição:
“Seigneur, ayez pitie de nous”.*
Velhas histórias, com seus tristes desenlaces,
Minha alma a este horror não submetas.
Sob a capa desgastada, em realce,
Arranhões no verniz da estatueta.
No buquê que sobre a mesa estiola
O raio último de sol petrificou-se.
Como em sonho um acorde de viola
E o som do clavicorde ainda ouço.
* “Senhor, tenha piedade de nós” (franc.)
1912.
"Onde está teu ciganinho, excelência?
Teu pequeno e primogênito neném,
A quem conheces bem melhor do que ninguém
E, quando chora, enrolas tu em negro lenço."
"O destino de uma mãe, iluminar-se na tortura.
Não considero que eu dela seja digna.
A cancela se abriu a um paraíso prematuro
E no colo é Madalena quem segura seu estigma.
Cada dia bem vivido em meus tempos alegres
Esquecido sobre a neve eu abandono.
Os meus braços sofredores que o carreguem
E seu choro despedace com meu sono.
O coração se apagou, igual a luz do abajur.
Esqueço tudo o que for da minha conta
Enquanto ando pelo cômodo escuro
Onde procuro pelo berço e não encontro."
1914.
Canção de Ninar
Longe mata adentro,
Atravessando o remoinho,
Um chalé sem acalento,
Um lenhador bem pobrezinho.
O caçula reclamava por papá, —
De que forma fazê-lo parar?
Dorme, meu filhinho, dorme,
Eu sou uma mãe má.
Ouve cantar o passarinho
Que pousou nestes umbrais…
Foi dada uma cruzinha,
De presente, a teu pai.
A fome vem, a fome vai,
E fome em casa se aloja.
Que São Jorge
Livre e guarde teu papai.
1915, Tsárskoe Seló.
1911.
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