
Poesias de Anna Akhmátova - Página 3

Anna Akhmátova (em russo e ucraniano: А́нна Ахма́това, Odessa, 23 de junho de 1889 —
Leningrado, 5 de março de 1966) pseudônimo de Anna Andreevna Gorenko), foi uma das mais importantes
poetisas acmeístas russas. Na generalidade, a sua obra é caracterizada pela aparente simplicidade e naturalidade
e pela precisão e clareza da sua escrita. Mais alguns detalhes na página 1.
(Resumido e adaptado da Wikipédia)
Índice
Por que te Disfarças;
Épicos Motivos: 1 e 2;
Prece;
O povo esperava, sob uma Ânsia;
A Musa;
Em Memória de Serguei Iessiênin;
Maiakovski no Ano de 1913.
Por que te disfarças
De ave, de seixo, de sarça?
Por que te divertes
Com lampejos cravejando-me celestes?
Deixa! Para quê me assedias?
Vai cuidar de tuas próprias bruxarias!
No pântano, embebido de penumbra,
Bruxuleia o ébrio vislumbre.
E eis a Musa, num esburacado véu,
Que arrasta cânticos tristonhos.
Do poder de suportar dor tão cruel
Vem o milagre deste sonho.
1915.
Épicos Motivos
Eu canto, e o bosque verdeja…
(B. A.)
1
Naquele tempo eu era hóspede na terra.
O nome que me deram de batismo — Anna,
Era doce aos ouvidos e aos lábios dos humanos.
Assim eu por milagre vi o júbilo terrestre
E, nem sequer contando vinte aniversários,
Eram tantas minhas festas quantos dias há no ano.
Obediente a certo ímpeto secreto,
Elegendo um desprendido pretendente,
O sol, apenas, eu amava, e as árvores.
Encontrei, certo verão, uma estrangeira
E àquela hora nas marés de águas quentes
Em que juntas nos banhávamos
Estranho pareceu-me o seu traje de banho
E mais estranhos os seus lábios e palavras —
Raras, como estrelas cadentes em setembro.
Delicada, ensinava-me a nadar
Com sua mão me apoiando por debaixo
O corpo inábil sobre as ansiosas ondas.
De repente estatelei naquelas águas azul-claras
Calmamente ela a mim se dirigiu,
E pareceu-me que a floresta com as frondes
Farfalhava, que a areia abria fendas
Ou que o fole de uma gaita, num assobio,
Anunciava a despedida, pois o sol ia se pondo.
Suas palavras, não podia me lembrar,
Caía a noite sombreando seu perfil,
O cabelo molhado circundando seu olhar,
Uma frestra que na boca entreabriu.
Como perante uma divina mensageira,
Implorei para a menina: “Diz-me,
Para quê me surrupias a memória,
E sussurras-me ao ouvido, se a glória
De cantar o que ouvi, tu retiraste-a de mim?”
Só uma vez, eu passeando na vindima,
Enchi o meu de estimação cesto de vime
E, bronzeada, me sentei sobre o capim.
Pálpebras cerradas, os cabelos destrançava,
Lânguida estava e dos perfumes estafada
Que exalavam desde os figos azulados
E do hálito picante das silvestres hortelãs.
Do relicário da memória aproximou-se,
Essa delícia de palavras derramou,
E o cesto cheio eu lançando pelos ares
Para a terra me joguei como se fosse
Certo amado, a quem canta meu amor.
Outono 1913.
2
Despedindo-me do bosque meu, natal e sacrossanto,
E da casa, onde a Musa Soluçante já não vai,
Eu, em silêncio, ia feliz levando a vida
Numa ilha toda plana, como fosse uma jangada
Encalhada sobre o delta do Nievá.
Oh, mistério desses dias invernais,
Os prazerosos afazeres, sensações de fadiga
E rosas colocadas em um jarro no lavabo!
A rua sob a neve acabava na esquina
Bem diante de uma árvore e a parede do altar
Da igreja Santa Catarina.
Cedo eu saía para a rua a procurar
Como da amada algum vestígio
Esmiuçando aquela pálida camada
De uma neve ainda virgem.
À beira do Nievá, os veleiros, como pombos,
Se tocavam ombro a ombro, mas a praia
Só fazia prantear com cínzeas ondas.
E outra vez a velha ponte me atrai…
Mais semelhante a uma gaiola
Do que um lar, existe ali certo lugar
Cujo habitante, como fosse um sabiá,
Me cantarola. Eu perante o cavalete só aguardo,
Como em frente do espelho, estupefata,
O seu trabalho ver nascer, feliz e árduo.
Eis o quadro, esta cada vez mais cínzea
Imagem e semelhança do retrato
Com a minha vida, sôfrega e narcísea.
Já não sei onde estará o meu artista predileto
Que galgou pela janela da mansarda
Ao perigo das cornijas e dos tetos
E comigo sobre abismos caminhou
A contemplar a neve, o Nievá e sua névoa —
Mas sei, as nossas Musas são amigas,
Como moças que ainda desconhecem o amor
E que portanto são fraternas e benévolas.
1914.
Prece
Dai-me febre, dor, insônia,
Amargos anos sufocando com a peste,
E levai de mim meu filho, o matrimônio,
O dom divino destes cânticos celestes.
Após dias de tão numerosas cruzes,
Assim rogo em vossos santos oratórios:
Pela nuvem que faz sombra sobre a Rússia,
Descarregai vossa relampejante glória.
1915, Dia de Pentecostes, Petersburgo, Ponte da Trindade.
O povo esperava, sob uma ânsia
De suicídio, a exército alemão,
E o espírito ortodoxo de Bizâncio
Em templos russos não tomava comunhão.
O Nievá presenciou sua cidade,
Que da febre do poder quedava enferma,
Esquecendo-se de sua majestade
E sem saber quem tomaria seu governo.
Uma voz me apareceu naquele tempo,
Consolou-me e me ofereceu ajuda:
“Deixa tua terra, tão pecaminosa e surda.
A Rússia abandona para sempre.
Vem, eu lavo o sangue de tuas mãos
E essa vergonha que teu coração coage,
Com um novo nome limparei a tua imagem
Do ultraje e da passada humilhação”.
Com um gesto indiferente e sóbrio
Os ouvidos eu tapei com as mãos hirtas.
Que assim esse discurso ignóbil
Não profane meu espírito aflito.
Outono 1917, Petersburgo.
A Musa
Enquanto à noite sua vinda me ilude
A vida me parece por um fio segura a mim.
O que são honra, liberdade, juventude
Quando ela me visita, no assobio de um clarim?
E eis que, do véu se desfazendo, apareceu
E sobre mim impôs os olhos dardejantes.
Eu pergunto: “Foste tu que ditaste a Dante
As páginas do Inferno?” Ela responde: “Eu!”.
1924.
Em Memória de Serguei Iessiênin
Pode a vida se extinguir apenas, como a vela:
Indolor, serena, acaba a flâmula amarela.
Mas a Rússia não concede a seus poetas
Uma lúcida passagem como esta.
À mais fiel e alada alma deste mundo
Recebem-na no céu salvas de chumbo,
Ou sob o horror da pata cósmica oprimido
O coração, como uma esponja, cospe a vida.
1925.
Maiakovski no Ano de 1913
Não sei de tua extemporã notoriedade,
Lembro só da impetuosa flor da idade.
E queira agora dignar-me a tomar nota
Em memória desses anos mais remotos.
Em tua voz acumulavam-se destroços
Asfaltados por teus versos vigorosos.
Sem preguiça, com os dois braços em riste,
A terríficos andaimes erigiste.
Tudo quanto resvalasse em tuas vestes
Com o tranco se achava a uma versta
E tudo aquilo que de pronto aniquilavas
Na sentença de uma única palavra.
Solitário e insatisfeito, como sempre,
Aceleravas com despeito o breve tempo
Em que, com férvida alegria, para a luta
Ingressarias, consumindo o pavio curto.
O longínquo rumor dos altos mares
Numa síncope auscultando ao recitares,
Sob a chuva revirando irados olhos
Tu dobravas da cidade seus imbróglios.
Num cômodo da alma um relâmpago penetra:
É teu nome, ecoando sempre alerta.
E até hoje a nossa pátria toda treme
Sob tal convocatória da vocálica sirene.
3-10 de março 1940.
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