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Poesias de Adalgisa Nery - Página 4


Adalgisa Nery

Adalgisa Nery nasceu em 29/10/1905 no Rio de Janeiro. Casou-se aos 16 anos com o pintor Ismael Nery. O casamento durou até a morte do pintor, em 1934. Eles tiveram sete filhos, todos homens, mas apenas o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram. Viúva aos 29 anos, foi trabalhar na Caixa Econômica e depois na área diplomática. Em 1940 casou-se com o jornalista e advogado Lourival Fontes. Seguiu o marido nos EUA e no México em funções diplomáticas.



Índice

O País do Poeta;
Paisagem;
Poema da Amante;
Poema de Amor;
Poema Essencialista;
Poema natural.


O País do Poeta

A paisagem tem cores do avesso
E as estrelas sobem pelas montanhas como veias
Aguando um seio de mulher.
As quatro línguas do vento
Conversam sobre o amor, o ódio, a vida e a morte.
Os arcanjos cruzam o firmamento de lado a lado,
Os pássaros soluçam como inconsoláveis viúvas.
Os peixes cantam como rouxinóis nas ramas floridas.
Um sirena lamenta-se no corte da noite
E o ruído de possantes motores trepidam o eixo universal
Como o nascimento de um vulcão.
As flores dos jardins cercados são orvalhadas como lágrimas inocentes

E da lua de São Jorge montado no seu cavalo branco
Para velar os mortos e os desesperados.
Um sentimento de pureza sobre o olhar dos arrependidos,
As mães alimentam seus filhos com flores,
Os amantes realizam a interpenetração das almas
E seus corações caem no chão como punhados de cinza.
A tragédia vive entre a boca dos velhos e o olhar do recém-nascido
E o choro do que um dia será assassino é ouvido ao ventre da noite.

O poeta escreve poemas no solo
E a terra grávida recompensa com flores, frutos e nascentes.
Na hora da penumbra abre-se uma grande boca no firmamento
Dizendo sobre o juízo final.
Sob a luz da lua o poeta colhe os lírios entreabertos
E sai guarnecendo sepulturas de noivas ignoradas.
Um resplandecente globo ocular
Desce sobre a paisagem
E procura encontra a Amada e a Morte.

(Em: Mundos Oscilantes, 1962.)


Paisagem

Restam nos meus olhos
Séculos de planícies áridas
E o vento ríspido que trouxe as lamentações
Das sombras agitadas
Sobre os pântanos desconhecidos
Distantes estão os caminhos
Onde eu encontraria a suprema fraqueza
Para vergar os meus joelhos
E deitar no pó a minha boca moribunda
Invisíveis estão as estrelas
Que me levariam a contemplar os céus abençoados.
E só espaços sem medida
Onde a música da noite
É livre sobre os pensamentos em sono.
Desconhecida para mim a praia onde eu me deitaria
De olhos cerrados e sentiria
O último movimento da onda
Balançar os meus pés
Como as algas sem direção.
Como os detritos rejeitados pela pureza do mar.
Restam dentro da minha sombra
Fragmentos de agitações de outras vidas
Plantadas no meu grito de revolta
Que eu não libertarei
Até que no deserto universal
A flor de um cardo movimente
A paisagem silenciosa.

(Em: Cantos da Angústia, 1948.)


Poema da Amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a ideia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim Suavemente.

(Em: Mundos Oscilantes, 1962.)


Poema de Amor

Ouve-me com teus olhos
Porque minha queixa é muda.
Acaricia-me com teu pensamento
Porque meu corpo está imóvel.
Beija-me com tuas mãos
Porque minha boca te espera.
Fala-me com o silêncio dos momentos de amor
Porque os ouvidos da minha vida
Se abrirão como as flores

Na úmida e infinita madrugada.

(Em: Mundos Oscilantes, 1962.)


Poema Essencialista

Sinto o conteúdo da existência.
Procuro ultrapassá-lo com enorme exaltação poética,
Rompo as grades do mundo com o espetáculo das formas,
Dos sons e das cores.
Tudo me afoga em nostalgia de outras eras,
De outras vidas que cristalizaram
As tendências da minha infância.
A utilização das coisas plásticas
Altera o equilíbrio da visão.
Distribuo pelos quatro cantos do meu espírito
A essência imortal.
Fragmento seguidamente o meu interior
Fazendo doações físicas.
Dentro do meu limite há montões de estrelas apagadas,
Pensamentos que não andaram
Senão com o sopro de Deus.
Quero destruir para tentar construir.
A criação vive no ângulo do meu cérebro
Mas sei que serei vencida
Pela limitação das realizações humanas.

(Em: Mundos Oscilantes, 1962.)


Poema Natural

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.

(Em: Poemas, 1937.)


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Fonte

Templo Cultural Delfos.

Recanto das Letras:
Biografia (resumida e adaptada)


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