Revista Amaluz: Página 100
O Zumbido Interior
Por Ken Page e Simon Peter Hemingway
Parte 1 (de 3)
Lago Azul
O som persistente das palavras "Lago Azul" entoadas repetidamente, um som que eu ouvira certa noite no meu quintal em Clear Lake (Lago Cristalino), continuou a ecoar em minha mente muito tempo depois. Alguns meses depois, em 1985, senti-me compelido a escrever ao Pueblo Taos, pedindo permissão para levar meu cristal ao Lago Azul. Também senti-me compelido a mandar junto com a carta outro cristal de minha coleção, como um tipo de prenda e uma maneira de eles experimentarem minha vibração.
Aproximadamente seis semanas depois, recebi uma carta do Pueblo. O imponente cabeçalho dizia: "Conselho de Guerra." O Conselho de Guerra, dizia a carta, se reunira para considerar meu pedido, mas por razões que eles estavam impossibilitados de contar, não podiam me dar autorização para ir ao Lago Azul naquele momento. O cristal que eu lhes enviara estaria à disposição em qualquer horário no escritório do Pueblo quando eu quisesse ir buscá-lo.
Fiquei desapontado. Parecia-me imensamente importante levar o cristal ao Lago Azul; tinha certeza de que os anciãos sábios do Pueblo também enxergariam a verdade deste fato. Eu estava cansado de tocar meus negócios falidos e queria realizar algo que desse significado à minha vida novamente. Quando busquei o lado bom da situação em que me encontrava, pensei em meu Tio Donny.
Quando eu tinha quatro anos de idade, minha mãe voltou a morar com meus avós em Oakland para se refazer depois de seu divórcio. Meu avô era pai de Donny. Na ocasião Donny tinha nove anos e eu era uma praga para ele, mas mesmo assim eu o seguia por toda parte como um cachorrinho. A natureza essencial de nosso relacionamento permaneceu inalterada durante muitos anos. Eu o seguia a todo lugar da mesma maneira obstinada sempre que nossas famílias se reuniam nos vários feriados que tinham significado para nós.
Finalmente, a guerra do Vietnã nos separou, como separou tantas outras famílias nos anos sessenta. Donny foi logo convocado, em 1961, e fiquei sem saber o que aconteceu a ele depois, a não ser que parou de ir para Oakland no Natal. Nossas vidas tomaram caminhos diferentes daquele ponto em diante. Ao contrário de Donny, que foi convocado, eu me alistei na Guarda Nacional, e 18 meses depois estava galgando a hierarquia da General Cable, rumo a me tornar milionário.
A vida inesperada de Donny depois da guerra foi a realização de um padrão iniciado quando ele nasceu quase 17 anos depois de seu irmão mais próximo. Nunca se sabe o que Donny vai fazer, era só o que dizia meu avô. Donny lhes enviava cartões postais de lugares tais como Afeganistão e Tibete, e apenas minha mãe, rosa-cruz a vida toda, parecia fazer ideia do que ele estava aprontando. Quanto a mim, quando pensava nele, lembrava-me de suas carruagens legendárias: o Chevy 1958 preto novo que meu avô lhe comprou quando ele tinha 16 anos e o MG Midget que ele comprou no ano seguinte. Lavar o MG de Donny, quando eu tinha 13 anos, foi uma de minhas primeiras experiências religiosas.
Agora nossos caminhos estavam convergindo novamente. Eu tinha um novo trabalho excitante dirigindo uma empresa de hologramas, e minha visão da criação de um holograma de Jesus exigia que eu viajasse para Santa Fé para supervisionar a criação da escultura detalhada em miniatura que eu planejava fotografar com raios laser. Sabia que Don estava morando em Taos, Novo México, e resolvi ir visitá-lo. Praticamente não sabia nada sobre cristais e algo me dizia que Don era o homem com quem eu precisava falar.
Ao lado da casa de Don, desci de meu Lincoln alugado, elegantemente vestido num dos muitos ternos escuros com colete que eu usava como uniforme naqueles dias. Ele morava numa casinha de um quarto no final de uma comprida estrada coberta de pedregulhos, próximo a um desbotado ônibus escolar adaptado que ele usava para receber convidados e como escritório. Havia vários pedaços de madeira empilhados sob os beirais, anunciando o inverno próximo.
A porta se abriu. Diante de mim estava um homem com cabelos na altura dos ombros e barba de hippie. O ar morno que passava por ele cheirava a fumaça de madeira e incenso. Aquele era meu tio? Estendi a mão. "Oi, Don," disse eu. "É Ken."
Don estudou-me solenemente enquanto retribuía meu aperto de mão. "Eu sabia que alguém da minha família estava vindo," ele respondeu, "Só não sabia quem." Olhou-me mais um pouco e então eu o segui para dentro. "Preciso lhe contar uma história," ele disse. Sentei-me pronto para ouvir. Eu gostava de histórias.
Don me contou do ano em que passou vivendo da terra na Colúmbia Britânica em 1971. A história terminou quando ele foi envenenado e morreu. Prendeu-me em seu olhar fixo, esperando ter certeza de que o que me contara tinha se arraigado. "Don está morto," explicou sério. "Sou Akbar agora." Eu compreendi. Akbar era o ser que viera habitar-lhe o corpo depois que Don se foi. Era um tipo de sublocação. Eu sabia o que era uma sublocação. Meu tio não tirava os olhos de mim.
"Akbar," disse eu tentativamente, experimentando a sensação em minha língua. Sem problemas. No lugar de meu superbacana Tio Don, eu tinha agora o sábio e misterioso Tio Akbar. Todo mundo deveria ter essa sorte.
Tio Don foi Tio Akbar durante alguns anos apenas. Hoje ele é conhecido em toda parte por Drunvalo Melchizedek. Antes de conhecer Drunvalo, eu pensava que um entrante era alguém que aparecia para cortar os cabelos sem hora marcada. Entrante, descobri, era o nome popularizado pela escritora Ruth Montgomery para uma alma que entra num corpo adulto sem o inconveniente do processo de nascimento. Em essência, somos todos entrantes; nosso universo é bastante jovem e todos viemos para cá vindos de outro lugar. Desde então, passei a acreditar que o entrante quase sempre é um aspecto superior da alma original no nascimento, depois de eu mesmo passar pelo processo. As pessoas, descobri, o tempo todo, mudam.
Quando superamos as formalidades, descobri que Drunvalo realmente tinha muito a me dizer sobre cristais. A primeira coisa que me disse foi que eles não eram apenas pedras, e sim seres vivos, crescendo e se modificando todo o tempo. Mostrou-me como respirar informações de um cristal segurando-o de encontro à testa, fazendo mentalmente, ao mesmo tempo, uma pergunta.
Também explicou como os cristais podem conter imensas quantidades de energia, quer positivas, quer negativas, podendo, dessa forma, ser usados seja para machucar, seja para curar gente. Chegaram mesmo a descobrir, disse ele, como captar toda a energia de uma explosão nuclear num cristal minúsculo que se poderia segurar na mão. Agora, como na antiguidade, os cristais ainda são a arma suprema.
No dia seguinte, ele me apresentou a Katrina Raphaell, que escreveu o livro Crystal Enlightenment (Iluminação pelos Cristais) e dois volumes relacionados ao assunto. Passamos o dia caminhando, e ela me contou ainda mais sobre cristais. No final do passeio eu não podia imaginar mais nada para perguntar sobre eles. Na noite anterior à minha partida, Drunvalo deu-me de presente um cristal que ele tinha há um ano e meio e um livro, Joy’s Way (Caminho da Alegria ou À Maneira de Joy) de Brugh Joy. Ele tocou o cristal. "Eu não sabia para onde ele deveria ir," disse, "mas agora vejo que pertence a você Ken."
Algumas semanas depois, tive de voltar para o norte do Novo México, e desta vez Drunvalo foi comigo quando fui ao escritório do Pueblo Taos reaver o cristal que enviara com minha carta. Um homem grande de peito enorme com sorridentes olhos escuros nos chamou quando saíamos do edifício. Drunvalo me apresentou a Jimmy, um velho amigo seu que morava no Pueblo. Ele e Drunvalo se conheciam muito bem, embora houvesse longos intervalos em sua amizade ocasionados pelos períodos de bebedeira de Jimmy. No momento Jimmy estava a seco. Ele acenou sério a cabeça quando lhe contei minha tentativa fracassada de obter permissão do Pueblo ir ao Lago Azul. "Eu estava lá, cara," disse ele. "Disseram não porque estão preocupados com feitiçaria que estão fazendo lá em cima. Aquele lugar é poderoso demais. É bom não arriscar."
De fato, como descobri depois, eram cuidadosos a ponto de postar guardas armados na trilha na maior parte do ano. Quando descobri mais sobre o Lago Azul, fiquei satisfeito por agirem daquela maneira. Além de ser um lugar muito poderoso, estava também energeticamente ligado a outros locais sagrados no mundo todo. A tribo de Taos estava certa em protegê-lo.
Tirei o cristal que o conselho de guerra me devolvera sem abrir e o dei a Jimmy. Era lindo, claro e com acabamento duplo. Eu soube imediatamente que devia dá-lo a ele, e foi o que fiz. Jimmy o segurou contra a luz, admirando-o. Um sorriso perpassou suas feições alcantiladas como o Sol surgindo por cima de uma montanha. "Vou levar você lá," anunciou de repente. Meu coração saltou como um peixe atrás de uma mosca.
Drunvalo me bateu nas costas e deu um grito. Afinal íamos ao Lago Azul.
Algumas semanas depois, Jimmy me telefonou na Califórnia. Aluguei novamente um carro em Albuquerque e fui até Taos. Jimmy morava num velho trailer duplo que o vento rasgara como tecido de algodão. Sentamos e falamos enquanto o vento assobiava à nossa volta e o forno a propano rugia em vão para o vento como um velho brigão. Jimmy me falou de Mario, um velho de 75 anos, o índio kiva encarregado da educação espiritual das crianças do pueblo. Mario era tão instruído que podia passar um mês inteiro apenas ensinando as crianças sobre o sol e a lua. Embora Mario fosse tio de Jimmy, eles eram chegados como pai e filho, assim era natural que Jimmy contasse ao homem mais velho sobre nossa planejada viagem ao Lago Azul.
Mario ficou imediatamente preocupadíssimo com o que estávamos fazendo. Na noite seguinte à que ele falou com Jimmy, colocou duas penas de águia cruzadas em seu peito e pediu a um sonho induzido por drogas para lhe mostrar a verdade do que estávamos tentando. O sonho trouxe boas notícias para todos nós. Mario disse a Jimmy que o que estávamos fazendo mudaria o mundo, e teimou em ir junto. Àquela altura, estávamos todos muito entusiasmados. Nenhum de nós pensou por um momento que a viagem que estávamos tentando possivelmente seria perigosa. O único sinal que tive de que alguma coisa estava errada era o tempo frio para aquela época do ano e o fato de Jimmy me dizer que eles estavam tendo dificuldades para pegar os cavalos.
Na manhã seguinte, fomos ao "rancho" de Jimmy em sua velha caminhonete. O rancho consistia realmente apenas de um alpendre e de um curral construídos na terra onde ele mantinha seus animais. Mario já estava lá nos esperando com apenas dois cavalos selados. Estávamos em três. Olhei alarmado para Jimmy. Ele encolheu os ombros. Era um famoso encolher de ombros característico de muitas pessoas nativas. O encolher de ombros continha toda a história de seu povo. Era um encolher de ombros que reconhecia o roubo de tudo o que eles possuíam, o assassinato de seus avós, a dor de ver o estupro diário da Terra praticado por homens que não davam a mínima para ela. Era um encolher de ombros que colocava um cavalo perdido em sua devida perspectiva.
Mario me saudou calorosamente e fez algumas piadas sobre o tempo. Pude dizer imediatamente, só de olhar para ele, por que sabia tanto sobre o sol e a lua: eles três obviamente tinham passado muito tempo juntos. Seus cabelos grisalhos estavam amarrados para trás numa trança, e ele mostrava profundas marcas de riso ao redor da boca, consequência de toda uma vida a sorrir. Estava claro que perder um cavalo significava ainda menos para ele do que para Jimmy; ambos eram tão duros quanto aço temperado e caminhariam descalços se preciso. Os dois estavam vestindo apenas calças jeans, botas de vaqueiro e jaquetas de lã xadrez leves, embora estivesse chovendo.
Eu estava completamente encantado com a recusa deles de se irritar com a mais adversa das circunstâncias. Era uma prova flagrante de sua fé no Criador. O fato de estar encantado não me impediu de entregar os dois ponchos para chuva que tinha colocado em minha mochila no último minuto.
A namorada de Jimmy levou embora a caminhonete numa nuvem de fumaça azul. Observei a boleia aquecida e as luzes traseiras retrocedendo pela estrada coberta de neve e fiquei pensando no que tinha me metido. Alguns minutos depois partimos, comigo pendurado todo duro na sela na garupa de Mario, como um personagem de faroeste que tivesse perdido o cavalo num jogo de pôquer.
As coisas até que não pareciam muito ruins no princípio. A chuva deu lugar a enormes flocos de neve úmidos que caiam lentamente como cinzas de uma grande fogueira a queimar em algum lugar além das nuvens. A trilha, que conduzia a um local para piquenique às margens de um rio, era larga e batida, e um pouco abaixo dela uma grande coruja coberta de neve voou na nossa frente por cima do rio, as asas majestosas batendo com lentidão hipnótica. Trocamos olhares de compreensão. Todos sabíamos que as corujas eram poderosos animais medicinais.
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Fonte
Textos publicados originariamente na revista Amaluz, que há mais de dez anos não tem sido editada, embora fosse uma ótima publicação. Permitiram estas minhas republicações aqui, pelo que fico imensamente grato. Faço votos de que a estimada revista e o site possam renascer, com a mesma qualidade de antes.
Euro Oscar, autor deste site.
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