
Poesias de Mário Quintana - Página 1

Mário de Miranda Quintana (Alegrete, 30 de julho de 1906 — Porto Alegre, 5 de maio de 1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Segundo Mário, em entrevista dada a Edla Van Steen em 1979, seu nome foi registrado sem acento. Assim ele o usou por toda a vida.
Ele não se casou nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis: de 1968 a 1980, residiu no Hotel Majestic, no centro histórico de Porto Alegre, de onde foi despejado quando o jornal Correio do Povo encerrou temporariamente suas atividades por problemas financeiros, e Quintana, sem salário, deixou de pagar o aluguel do quarto. Na ocasião, o comentarista esportivo e ex-jogador da seleção Paulo Roberto Falcão cedeu a ele um dos quartos do Hotel Royal, de sua propriedade. A uma amiga que achou pequeno o quarto, Quintana disse: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas."
(Resumido e adaptado da Wikipédia)
Índice
Eu Ouço Música;
O Auto-Retrato;
Caminho;
Do Belo;
Quem Ama Inventa;
Se eu Fosse um Padre;
Deixa-me Seguir para o Mar;
Esperança;
A Verdadeira Arte de Viajar.
Eu Ouço Música
Eu ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como quem está morto
e sente
já
um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.
O Auto-Retrato
No retrato que me faço
- traço a traço -
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...
Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...
E, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
Minha eterna semelhança,
No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
Caminho
Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem mais sabia aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
Do Belo
Nada, no mundo, é, por si mesmo, feio.
Inda a mais vil mulher, inda o mais triste poema,
Palpita sempre neles o divino anseio
Da beleza suprema ...
Quem Ama Inventa
Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama !
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revoo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!
Se eu Fosse um Padre
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!
Deixa-me Seguir para o Mar
Deixa-me seguir para o Mar
Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma... Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
"Nova Antologia Poética", pág. 118,
Ed. Globo - S. Paulo, 1998.
A Verdadeira Arte de Viajar
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Pesquisa, seleção, revisões e edições por Euro Oscar.
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