
Poesias de Adalgisa Nery - Página 2

Adalgisa Nery nasceu em 29/10/1905 no Rio de Janeiro. Casou-se aos 16 anos com o pintor Ismael Nery. O casamento durou até a morte do pintor, em 1934. Eles tiveram sete filhos, todos homens, mas apenas o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram. Viúva aos 29 anos, foi trabalhar na Caixa Econômica e depois na área diplomática. Em 1940 casou-se com o jornalista e advogado Lourival Fontes. Seguiu o marido nos EUA e no México em funções diplomáticas.
(Resumido e adaptado do site Recanto das Letras, cujo link está no final.)Índice
Anseio;
Aspiração;
Canção para Dentro;
Cantiga de Ninar;
Cemitério Adalgisa;
Escultura;
Eterno Tédio;
Eu em Ti.
Anseio
Quero que desça sobre mim a grande sombra que alivia,
Aquela que arranca do meu coração a revolta que me impede de ser mansa.
Quero descansar...
Quero encontrar aquele que é mais belo que o sol,
Que aumenta o meu sofrimento e que ajuda na minha redenção,
Que reparte suas angústias comigo para que lhe sirva de auxílio.
Quero ouvir a sua voz que é como a música dos mares,
Quero acolher-me na sua sombra e abraçar-me aos seus joelhos...
Quero descansar sem demora...
Quero chegar o tempo da minha última lágrima
ser recolhida dos meus olhos pisados e saudosos
Por aquele que é o molde dos poetas, o que se veste com as estrelas que meus olhos
ainda não veem.
(Em: Dom Casmurro, Rio de
Janeiro, 19 ago. 1937, p. 2.)
Aspiração
Antes que vingue outra esperança
Quero as sombras do branco espesso.
Antes que mais uma insônia se cumpra
Quero o torpor no abismo indecifrável
Do espírito amortalhado.
Antes que o pensamento acorde
E descubra os espaços petrificados,
Quero narcotizar-me sem sonhos
E deitar-me no mundo sem sombras,
Sem palavras nem gestos.
Antes que alguma crença me recolha,
Antes que eu entenda o obscuro,
Antes que o sensível me assalte,
Antes que eu distinga na lonjura
A morte da estrela cintilante,
O êxtase da solidão vertical,
Quero ser coisa sem motivo
Entregue aos ventos sem destino.
(Em: Erosão, 1973.)
Canção para Dentro
A canção do corpo é cantada para dentro
E a leveza da alegria se transmuda em peso,
A brisa adere aos amargos pensamentos
Fluindo no sorriso compassivo.
Logo,
Surgindo de células desamadas
Os matizes áureos anoitecem,
Pálpebras levantadas vão caindo
E nesgas apenas vislumbramos,
Geografias em nós morrendo,
Oceanos crescendo, ilhas sumindo,
Rosas nascendo na canção
Que o corpo canta para dentro.
(Em: Erosão, 1973.)
Cantiga de Ninar
Repousa. Descansa. Virá um dia um vento
Que arrancará a tua balançada alma do teu corpo
E jogará a tua balançada alma do tempo.
Que levará teus braços para as nuvens distantes
E deixará tranquila tua orelha
À borda das águas cantantes.
Um vento suave como a caricia de uma doce mão
Que se envolverá no brilho dos teus cabelos
Que descerá desde o teu cérebro
Até o fundo do teu amargurado coração.
Cairá sobre ti, como a noite sobre a mata e sobre as flores
Desdobrará as formas dormidas
Deitar-se-á sobre teus sentidos
E estancará tuas dores.
Um vento que levará para a eterna distância
Os dolorosos solavancos de teu espírito
E os pedaços melancólicos de tua infância.
Repousa. Descansa. Aconchega no sono teus pensamentos
Que este vento chegará, não falta muito
Transformará em luz a tua treva,
Dentro de rapidíssimos momentos.
(Em: Mundos Oscilantes, 1962.)
Cemitério Adalgisa
Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d′alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem. Vida e morte,
Terra e céu, Podridão, germinação,
Destruição e criação.
(Em: Poemas, 1937.)
Escultura
Eu já te amava pelas fotografias.
Pelo teu ar triste e decadente dos vencidos,
Pelo teu olhar vago e incerto
Como o dos que não pararam no riso e na alegria.
Te amava por todos os teus complexos de derrota,
Pelo teu jeito contrastando com a glória dos atletas
E até pela indecisão dos teus gestos sem pressa.
Te falei um dia fora da fotografia
Te amei com a mesma ternura
Que há num carinho rodeado de silêncio
E não sentiste quantas vezes
Minhas mãos usaram meu pensamento,
Afagando teus cabelos num êxtase imenso.
E assim te amo, vendo em tua forma e teu olhar
Toda uma existência trabalhada pela força e pela angústia
Que a verdade da vida sempre pede
E que interminavelmente tens que dar!...
(Em: Mulher Ausente, 1940.)
Eterno Tédio
Muitas vezes esgotando o meu destino
Com o olhar em pranto
E o coração pungente como um dobrar de sino,
Ouço ruídos seculares que unem como um canto,
Crescendo de intensidade,
Mergulhando os meus sentidos
Na maior profundidade!
Muitas vezes, considerando a vida
Com desumana indiferença,
Por toda a esperança perdida,
Pelo abrir de um riso, por todo o bem, por toda a crença,
Sinto o meu viver humilhado,
Vejo o meu nada quase demasiado,
Que nem chega a ser pecado.
E o tédio em toda a amplidão
Cai sobre mim.
(Em: Revista Atlântico – Revista
Luso-brasileira, nº 1,
Primavera de 1942.)
Eu em Ti
Desejaria estar contigo quando eras no pensamento de Deus,
Quando tua mãe te concebeu e te alimentou com sua vida,
Desejaria estar contigo na primeira vez que distinguiste as formas,
[as cores e os sons,
Na tua primeira lágrima eu quisera estar contigo e assim na tua
[primeira alegria,
Desejaria estar contigo na tua infância e na tua adolescência,
[acompanhando as transformações do teu físico.
Ao teu lado desejaria estar quando, do teu corpo, constataste as
[primeiras células reprodutoras.
No teu primeiro pudor e no teu primeiro carinho eu quisera estar
[a teu lado,
Desejaria estar contigo na noite de tuas núpcias e no momento em
[que te uniste a outra mulher com o
[pensamento no teu primeiro filho.
Desejaria estar contigo no primeiro vestígio de tua velhice
E ainda desejaria estar contigo no momento da separação de
[tua alma,
Na decomposição de tuas carnes, do teu cérebro, de tua boca,
[do teu sexo,
Para poder continuar contigo, no mundo sem espaço e sem tempo.
(Em: Mundos oscilantes, 1962, p.9.)
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Fonte
Recanto das Letras:
Biografia (resumida e adaptada)
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