Francisco Cândido Xavier, um Viajante Espiritual
Por Wagner Borges
(Matéria publicada na Revista "Vida e Obra de Chico Xavier" editada como número especial da revista Sexto Sentido em março de 2002)
Escrever sobre a vida e a obra de Francisco Cândido Xavier é uma tarefa difícil. Isso porque muito já foi dito sobre ele nos últimos sessenta anos e sempre há o perigo de escrever algo redundante.
Para alguém que tanto bem fez aos homens com seu trabalho digno dentro das tarefas de esclarecimento e assistência espiritual, sobram agradecimentos, admiração, elogios e até mesmo uma certa mitificação em cima de sua figura.
Baseado nisso, quando fui convidado para escrever algo a seu respeito logo pensei em fazer algo um pouco mais intimista e longe dos aspectos normalmente mencionados.
Diga-se de passagem, sinto-me honrado de poder escrever sobre alguém que para mim é um ser humano admirável, não um mito ou símbolo doutrinário. Simplesmente um dos melhores homens que essa humanidade já produziu. Um ser espiritual que veio dos planos extrafísicos e revestiu-se de corpo físico com a tarefa de ser um intermediário (em latim: "Médium") entre o Invisível e a humanidade terrestre. Alguém que assumiu com dedicação absoluta o fardo espiritual que lhe foi colocado nos ombros pelos benfeitores espirituais. E isso há décadas atrás, quando os temas espirituais ainda eram encarados como coisas diabólicas e precisava ser muito corajoso para assumir a própria espiritualidade.
Pois ele assumiu o seu trabalho, mesmo sendo atacado por ignorantes de vários tipos e por fundamentalistas diversos que sempre se sentiram incomodados pela sua paciência, generosidade e honestidade.
Hoje é muito fácil trabalhar com a temática espiritual em suas diversas formas de expressão, até mesmo aqui na Revista Sexto Sentido, pois os tempos são outros e até mesmo a nível popular a aceitação de tais temas é muito grande (até mesmo em novelas e filmes populares). Lembro-me de que até a década de 1970 a seção de livros com temas espirituais era sempre lá no fundo das livrarias e quem comprava tais livros era visto como alguém meio estranho. Hoje isso é bem diferente. Normalmente a seção de livros com essa temática costuma ser uma das mais visíveis na maioria das livrarias e sempre há um grande número de pessoas interessadas nesses livros. E na internet então...A quantidade de sites sobre esses temas é enorme e muito variada.
Porém, na época em que o Chico começou a trabalhar e a expor os seus escritos mediúnicos a situação era muito diferente. E mesmo assim ele não titubeou e colocou para frente a sua tarefa de emissário interdimensional. E esse é um dos aspectos que não costumam ser evidenciados sobre ele: a sua coragem.
Um outro aspecto, é que costuma-se falar muito de sua prodigiosa mediunidade e a quantidade de livros que ele escreveu junto com os espíritos. Além disso, também há a questão das muitas mensagens de pessoas desencarnadas que ele recebeu para ajudar as multidões de sofredores abatidos pela dor da perda de alguém amado. Contudo, quase nada é comentado sobre a sua contribuição no estudo das experiências fora do corpo, também conhecidas como viagem astral, desprendimento espiritual, projeções da consciência e tantos outros nomes.
Por isso, prefiro fazer uma abordagem mais pessoal, pois os seus livros muito ajudaram a tantos projetores (viajantes espirituais) e esclareceram temas complicados até então.
Comecei a ter experiências fora do corpo espontaneamente aos quinze anos de idade. Era o ano de 1977 e não haviam muitas informações a respeito desse tema traduzidas para o português. Inicialmente pesquisei muito os livros de Ocultismo e de Teosofia, que eram os mais disponíveis na época. Papus, Elifas Levi, Madame Blavatsky, Charles Webster Leadbeater, Annie Wood Besant, Swami Rama e outros. Posteriormente, as obras clássicas de projeção astral de Sylvan J. Muldoon e Hereward Carrington, Yram, Robert Crookall, Oliver Fox, Peter Richelieu e tantos outros viajantes espirituais.
No entanto, a maioria desses autores abordava as saídas do corpo apenas sob a ótica técnica, sem aprofundar-se mais no lado espiritual da questão. E isso era um limite que estagnava o assunto, pois remetia os leitores apenas a abordagem fenomênica das projeções conscientes, como se não houvesse ali uma porta aberta para outras realidades interdimensionais.
Como projetor desde jovem, sempre vi cidades extrafísicas nas experiências que passava e muitos espíritos desencarnados em diversas condições, de acordo com o plano espiritual onde eu estava projetado no momento. Mas não via um aprofundamento disso nos livros que eu lia. Outros projetores que eu conhecia narravam as mesmas coisas, mas nos livros tudo parecia muito técnico, sem vivacidade e sem espiritualidade.
Pois é aí que entra a figura do Chico e também do espírito André Luiz. Os livros que um passou e o outro transcreveu para o plano físico são repletos de informações sobre as saídas do corpo e a relação dos projetores com as realidades extrafísicas. Quando comecei a ler os livros passados espiritualmente pelo Dr. André Luiz (pseudônimo de famoso médico sanitarista desencarnado na década de 1930 no Rio de Janeiro) ao Chico durante o período 1940 - 1970*, muitos deles na famosa série "Nosso Lar" (cerca de doze livros descrevendo os planos extrafísicos e seus habitantes), eu tinha 19 anos e uma das primeiras coisas que gostei era justamente que muito do que eu via fora do corpo sem ter lido nada a respeito estava descrito nos textos e encaixava-se perfeitamente no contexto espiritual.
Obviamente que o teor dos livros tinha características mais ligadas ao Espiritismo, mais as informações reais estavam lá e bastava filtrar a parte doutrinária correspondente e pegar a espiritualidade de forma mais aberta e adequar ao próprio contexto espiritual particular.
Se durante a década de 1970 eu penava para achar algum livro que esclarecesse bem as viagens fora do corpo, imagine nas décadas anteriores. Logo, se não haviam muitos livros disponíveis em sua época, como é que os livros recebidos espiritualmente pelo Chico já continham informações profundas sobre isso?
Isso só demonstra a utilidade de sua capacidade mediúnica, pois ele passou informações projetivas para o plano físico numa época em que o estudo das saídas do corpo era obscuro e cheio de mitos em cima. E muitas das coisas que nós estudamos hoje já tinham sido adiantadas em seus livros (o capítulo sobre glândula pineal que está no livro "Missionários da Luz" é fantástico e contém informações que poucos sabiam na década de 1940, época em que o livro foi editado).
Para exemplificar o que estou afirmando aqui, posso citar que quase todos os livros da série "Nosso Lar" passados pelo Dr. André Luiz esclarecem algum aspecto das saídas do corpo. Notadamente esses aqui: "Mecanismos da Mediunidade", "Nos Domínios da Mediunidade" (onde há o relato de uma projeção do médium Castro durante uma sessão mediúnica), "No Mundo Maior" (um dos melhores livros do André Luiz e que contém uma excelente narrativa dele comentando sobre uma reunião de projetores fora do corpo que foram levados extrafisicamente para assistirem a uma palestra proferida por um amparador), "Entre o Céu e a Terra", "Evolução em Dois Mundos" e vários outros.
Pelas informações do André Luiz sobre as projeções da consciência nota-se claramente que os espíritos patrocinam** espiritualmente muitas dessas saídas e até incentivam-na para a prática de trabalhos de assistência extrafísica e de aprendizado enquanto o corpo dorme.
Como se observa, o trabalho do Chico vem ajudando aos estudantes espirituais de várias linhas diferentes há décadas. Contudo, quase ninguém tem notado essa sua contribuição aos estudos projetivos. Há diversas outras obras abordando as viagens espirituais passadas através dele por outros espíritos, mas creio que os exemplos citados bastam para demonstrar isso. ***
Quando o pessoal da redação da "Sexto Sentido" convidou-me para participar dessa edição especial sobre o nosso querido Chico, logo pensei: vou dar um toque sobre sua contribuição espiritual nos estudo das saídas do corpo e suas relações com o mundo espiritual. Acho que evidenciar esse aspecto do seu trabalho (esquecido pela arrogância de vários pesquisadores das projeções da consciência) será uma ótima maneira de agradecê-lo e de passar para os leitores uma outra abordagem espiritual, fora daquelas já conhecidas e comentadas por outros.
Alguns detalhes adicionais
O próprio Chico sempre experimentou saídas do corpo frequentemente patrocinadas pelos espíritos que o assistem.
Já vi pessoas o criticando duramente, mas não vi nenhuma delas fazer 10 % do que o Chico fez e nem ajudar a tantas pessoas quanto ele fez ao longo dos anos.
Mitificar a figura do Chico não é uma forma brilhante de homenageá-lo. Admiração sincera a quem merece é bem diferente de adoração cega e presa a parâmetros doutrinários.
Vi o Chico fora do corpo algumas vezes e as energias do seu corpo espiritual (perispírito, corpo astral, psicossoma) estavam azulzinhas e muito suaves, demonstrando o clima espiritual tranquilo que o acompanha.
Espero que o dia em que ele "voltar para casa" e largar de vez o seu corpo idoso e combalido de tanto trabalho em prol da humanidade, que aqueles que o admiram por tanta coisa boa possam respeitá-lo e vibrar energias de alegria e agradecimento em sua homenagem. Que essas pessoas que estudam temas espirituais possam fazer juz a esse estudo e o deixem partir dignamente e sem dramas. Que elas não lembrem dele como um mito ou um santo, mas como um homem bom e que serve de exemplo sadio para muitos. Que elas lembrem-se do que realmente ele é (sempre foi e sempre será): um espírito que veio a Terra espalhar a luz do esclarecimento e assistência espiritual. Um ser de luz simples e honesto, que não merece dramas na hora de sua partida, mas que merece uma imensa onda de luz gerada pelo agradecimento de todos guindando-o aos planos invisíveis, onde ele ascenderá aquelas paragens superiores que Deus lhe reservou pelo belo trabalho prestado aos homens da Terra e do espaço. Francisco Cândido Xavier, mais do que espírita cristão, um espírito admirável; mais do que nunca, o Chico dos espíritos.
Como um presente aos leitores da "Sexto Sentido", reproduzo aqui o melhor trecho contendo ensinamentos sobre a projeção da consciência passados pelo espírito André Luiz através da mediunidade do Chico. Foi extraído do livro "No Mundo Maior". Obs: Essa Segunda parte não entrou na matéria publicada pela revista por falta de espaço na mesma.
"O vento passava cantando, em surdina; no recinto iluminado de claridades inacessíveis à faculdade receptiva do olhar humano, aglomeravam-se algumas centenas de companheiros, temporariamente afastados do corpo físico pela força liberativa do sono.
Amigos de nossa esfera atendiam-nos com desvelo, mostrando interesse afetivo, prazer de servir e santa paciência. Reparei que muitos se mantinham de pé; outros, contudo, se acomodavam nas protuberâncias do solo alcatifado de relva macia, em palestra grave e respeitosa.
Ambientando-me para aquela hora de extrema beleza espiritual, Calderaro avisou-me:
- Na reunião de hoje, o Instrutor Eusébio receberá estudantes do espiritualismo, em suas correntes diversas, que se candidatam aos serviços de vanguarda.
- Oh! - exclamei, curioso - Não se trata, pois de assembleia, que agrupe indivíduos filiados indiscriminadamente às escolas da fé?
O assistente esclareceu de pronto:
- A medida não seria aconselhável no círculo de nossa especialidade. O Instrutor afeiçoou-se ao apostolado de assistência à criaturas encarnadas e a recém-libertas da zona física, em particular, precisando aproveitar o tempo com as horas de preleção, para o máximo de aproveitamento. A heterogeneidade de princípios em centenas de indivíduos, cada qual com sua opinião, obrigaria a digressões difusas, acarretando condenáveis desperdícios de oportunidades.
Fixou a multidão demoradamente, e acrescentou:
- Temos aqui, em cálculo aproximado, mil e duzentas pessoas. Deste número, oitenta por cento se constituem de aprendizes dos templos espiritualistas, em seus ramos diversos, ainda inaptos aos grandes voos do conhecimento, conquanto nutram fervorosas aspirações de colaboração no Plano Divino. São companheiros de elevado potencial de virtudes. Exemplificam a boa vontade, exercitam-se na iluminação interior através de esforço louvável; contudo, ainda não criaram o cerne da confiança para uso próprio. Tremem ante as tempestades naturais do caminho e hesitam no círculo das provas necessárias ao enriquecimento da alma, exigindo de nós particular cuidado, pois que, pelos seus testemunhos de diligência na obra espiritualizante, são os futuros instrumentos para os serviços da frente. Apesar da claridade que lhes assinala as diretrizes, ainda padecem desarmonias e angústias, que lhes ameaçam o equilíbrio incipiente. Não lhes falece, porém, a assistência precisa.
Instituições de restauração de forças abrem-lhes as portas acolhedoras em nossas esferas de ação. A libertação pelo sono é o recurso imediato de nossas manifestações de amparo fraterno. A princípio, recebem-nos a influência inconscientemente; em seguida, porém, fortalecem a mente, devagarinho, gravando-nos o concurso na memória, apresentando ideias, alvitres, sugestões, pareceres e inspirações beneficientes e salvadoras, através de recordações imprecisas.
Fez breve pausa e concluiu:
- Os demais são colaboradores de nosso plano em tarefa de auxílio.
A organização dos trabalhos era digna de sincera admiração. Estavamos num campo substancialmente terrestre. A atmosfera, impregnada de aromas que o vento espargia em torno, recordava-me o lar na Terra, contornado de seu jardim, em noite cálida. Que teria eu realizado no mundo físico se recebesse, em outro tempo, aquela bendita oportunidade de iluminação? Aquele punhado de mortais, sob os raios da Lua, afigurou-se-me assembleia de privilegiados, favorecidos por celestes numes. Milhões de homens e mulheres a dormir em cidades próximas, algemados aos interesses imediatos e ansiando a permuta das mais vis sensações, nem de longe suspeitariam a existência daquela original aglomeração de candidatos à luz íntima, convocados à preparação intensiva para incursões mais longas e eficientes na espiritualidade superior. Teriam a noção do sublime ensejo que lhes aprazia? Aproveitariam a dádiva com suficiente compreensão dos valores eternos? Marchariam desassombrados para a frente, ou estacionariam ao contato dos primeiros óbices, no esforço iluminativo?"
Ainda no mesmo texto, um pouco mais a frente (pág. 17-33), há uma palestra do instrutor Euzébio para os projetores ali presentes. Há um trecho onde ele diz o seguinte:
"Enquanto vossa organização fisiológica repousa à distância, exercitando-se para a morte, vossas almas quase libertas partilham conosco a fraternidade e a esperança, adestrando faculdades e sentimentos para a verdadeira vida.
Naturalmente, não podereis guardar plena recordação desta hora, em retomando o envoltório carnal, em virtude da deficiência do cérebro, incapaz de suportar a carga de duas vidas simultâneas; a lembrança de nosso entendimento persistirá, contudo, no fundo de vosso ser, orientando-vos às tendências superiores para o terreno da elevação e abrindo-vos a porta intuitiva para que vos assista nosso pensamento fraternal."
- Pelo espírito André Luiz -
(Trecho extraído do livro "No Mundo Maior"; Francisco Cândido Xavier;
Edição da Federação Espírita Brasileira - FEB)
Finalizando esses escritos, só posso dizer o seguinte:
"VALEU, CHICO!"
- Wagner Borges -
(Pesquisador, projetor, sensitivo espiritualista, conferencista, autor dos livros "Viagem Espiritual Vols. 1, 2 e 3" e dos livros "Uma lição Extraterrestre" e "Falando de Espiritualidade Vol. 1", produtor e apresentador dos programas "Viagem Espiritual", "Viagem Musical" e "Viagem Progressiva" da Rádio Mundial de São Paulo - 95,7 FM - e fundador do Instituto de Pesquisas Projeciológicas e Bioenergéticas - IPPB).
Notas de Wagner Borges
Várias obras foram recebidas espiritualmente em conjunto com o Dr. Waldo Vieira, que trabalhou em parceria espiritual com o Chico no período de 1954 - 1966 em Uberaba, Minas Gerais.
** Nas obras clássicas de Allan Kardec são encontradas fartas referências as projeções da consciência, principalmente no "Livro dos Espíritos" onde elas são chamadas de "emancipação da alma" (capítulo 8, perguntas 400 a 430).
*** O leitor poderá encontrar diversas informações sobre experiências fora do corpo e temas espirituais variados no nosso site e também nos números 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22 da Revista Sexto Sentido.
Texto <356><08/08/2002>.
Fonte
Postado por Wagner Borges no seu site www.ippb.org.br.
Agradecimento
Wagner Borges concedeu-me muito gentilmente, via e-mail, em 11 de setembro de 2007, permissão específica para aqui aproveitar os interessantes e úteis materiais do seu amplo site do IPPB. Muitíssimo obrigado ao Wagner pela sua generosa e inestimável colaboração. Mais detalhes aqui.