O Trabalho Durante o Sono
Por Charles Webster Leadbeater
Um dos pontos subsidiários mais gratos que o estudo da Teosofia nos revela é o da possibilidade de empregarmos utilmente as horas em que o corpo está dormindo. Lembro-me bem de como eu ficava furioso, nos primeiros anos da minha juventude, pela necessidade de gastar tempo em dormir, quando havia tanto trabalho importante a fazer, e de como, em consequência, tentava reduzir ao mínimo as horas de sono. Gozando de boa saúde e resistência física, durante alguns anos me preparei para dormir apenas quatro horas por noite, e pensava que assim estava ganhando tempo para o trabalho que tinha pela frente. Mas agora que sei mais sobre isso, vejo que laborava em erro, e como podia ter aumentado efetivamente a minha eficiência permitindo-me um repouso normal, além de assegurar ao meu corpo mais energia para o trabalho em meus anos subsequentes. Foi-me, em verdade, reconfortante verificar na literatura teosófica que só o corpo permanece insensível durante o sono, enquanto o homem real prossegue em seu trabalho e executa realmente a maior parte dele, e o faz melhor, porque não se acha travado pelo corpo físico.
No entanto, os próprios estudantes de Teosofia, que estão habituados a pensar nos mundos superiores e na possibilidade de continuarem ativos neles, nem sempre se dão conta inteiramente de que lá é que está a vida real, e de que a vida neste mundo físico não passa de um interlúdio. Em nossa consciência de vigília, muitos de nós consideramos a vida diurna como real e a noturna ou do sonho como irreal; mas a verdade é exatamente o inverso, o que é fácil ver refletindo que nesta vida a maioria de nós nada sabe em relação àquela, ao passo que naquela vida nós nos lembramos inteiramente desta. Esta vida sofre, portanto, diariamente, uma solução de continuidade; aquela é contínua, desde o berço ao túmulo e além deste. Além disso, como durante aquela vida o corpo físico é abandonado, o Ego* pode manifestar muito mais de si mesmo. O homem no seu corpo astral está bem mais próximo de si mesmo do que aprisionado nesta sua representação física, que é tudo quanto podemos ver aqui.
Quando, mais adiante em nossa evolução, chegarmos a um desenvolvimento maior e o homem conseguir funcionar em seu corpo mental, chegaremos em outro estágio mais próximo da realidade; em verdade, além desse senão mais um estágio para a manifestação do Ego em seu corpo causal, ao possuir uma consciência unificada que se estende ao longo de todas as idades, desde a época remota em que se elevou acima do reino animal até o infinito que está à sua frente.
Vejamos então o que podemos fazer à noite com esta vida, enquanto deixamos repousar o corpo físico. Muitas formas de atividade se abrem diante de nós, e, porque já as mencionei com minúcias no livro “Auxiliares Invisíveis**”, dispensar-me-ei de repeti-las aqui. Resumirei dizendo que durante as horas de vigília podemos ajudar qualquer pessoa que saibamos em aflição ou sofrimento, detendo-nos para formar uma imagem-pensamento nítida e bem definida do que sofre, e então verter uma corrente de compaixão, amizade e força; mas durante a noite podemos fazer mais do que isso – podemos levar mais longe o remédio e ir no corpo astral até o leito do enfermo, para ver exatamente o de que está precisando e lhe proporcionar o que se fizer especialmente indicado no caso particular, em vez de lhe oferecer simplesmente um reconforto e consolação de caráter geral.
Podemos assim dar auxilio e ânimo, não só aos vivos, mas também à vasta legião dos mortos, que não raro disso têm real necessidade, devido em parte ao falso e mau ensinamento religioso que recebem, e em parte à total ignorância das condições dos outros mundos, que predomina geralmente entre o público deste lado do véu. Trabalho como esse comporta variedades infinitas, que ainda estão longe de esgotar as possibilidades que se oferecem diante de nós. No mundo astral podemos ao mesmo tempo dar e receber ensinamentos. Graças ao anonimato do mundo astral, podemos assistir, inspirar e aconselhar toda espécie de gente que no mundo físico provavelmente não nos escutaria. Podemos sugerir ideias boas e liberais aos ministros e aos estadistas, aos poetas e aos pregadores, e a todos os tipos de escritores de livros, jornais e revistas. Podemos sugerir enredos aos novelistas e boas ideias aos filantropos. Podemos ir aonde quisermos e fazer qualquer espécie de trabalho que se nos apresente. Podemos, ocasionalmente, visitar todos os lugares interessantes do mundo, e contemplar suas majestosas construções e seus cenários mais encantadores. As mais belas artes e as mais admiráveis músicas estarão inteiramente à nossa disposição, sem dinheiro e sem preço, por não falar na música ainda mais maravilhosa e do colorido mais esplendoroso do próprio mundo astral.
Que pode um homem fazer aqui para se preparar a fim de tomar parte daquela obra superior? Bem, a vida é contínua; e, sejam quais forem às características que um homem mostre aqui em seu corpo físico, ele certamente as mostrará também em seu corpo astral. Se aqui ele estiver cheio de alegria e sempre ansioso por uma oportunidade de prestar serviço – então, ainda que de nada se recorde, pode estar inteiramente confiante de se ocupar utilmente, ao máximo de sua capacidade, também no mundo astral. E, portanto, se um homem que não guarda lembrança nenhuma desta vida deseja estar de todo certo de que é útil ali e está cumprindo plenamente o seu dever, pode ele facilmente convencer-se disso pautando sua vida aqui no mundo que sabe necessário àquele objetivo. Não há mistério algum quanto aos requisitos. Franqueza e sinceridade, calma, coragem, saber e amor farão dele um obreiro astral inteiramente útil, e todas essas qualificações se acham ao alcance de todo homem que deseje dar-se ao trabalho de desenvolvê-las.
Não é difícil ver por que são todas elas necessárias. Um homem não pode consagrar toda a sua energia a uma obra como essa, a menos que a vida superior constitua para ele o único objetivo. Deve conhecer o mundo astral, seus habitantes e suas características; de outra forma, estará sempre tropeçando, e sentir-se-á desamparado em face de qualquer emergência que lhe surja. A coragem, é claro, lhe é indispensável, à semelhança do que acontece com o homem que se aventura no meio de florestas inexploradas ou na superfície do mar alto. Deve também possuir calma, porquanto, se já é coisa sumamente grave para um homem perder o seu sangue-frio no mundo físico, é infinitamente mais grave quando não existe matéria física para interceptar o pleno das vibrações de cólera. Quaisquer manifestações de irritabilidade, excitação e impaciência no mundo astral fazem dele, imediatamente, um objeto de temor, de modo que aqueles a quem deseje ajudar se esquivarão com pavor. O amor à humanidade, e o consequente desejo ardente de ajudar, deve ele possuir no mais alto grau, pois sem isso nunca pode ter paciência para tratar amigavelmente com o terror pânico e a estupidez irracional que tantas vezes encontramos entre os mortos. Porque muitos dos casos que temos de resolver requerem uma excessiva doçura e uma convivência tal com o sofrimento que nenhum homem, por mais enérgico e cuidadoso que seja, está apto a tratar com eles se não estiver cheio de verdadeiro amor e conservar os seus veículos sob perfeito domínio.
Muitos trabalhos são realizados no mundo astral, além daqueles em que somos especialmente interessados. Muitos médicos visitam, durante o sono de seu corpo, casos nos quais se acham vivamente empenhados, ou a respeito dos quais se sentem inquietos. Na maioria desses casos, o homem não tem consciência disso no seu corpo físico, mas toda nova informação que ele recolhe de suas investigações astrais muita vez lhe chega como uma espécie de intuição à sua consciência de vigília. Conheci médicos que são capazes de fazer isso intencionalmente e com plena consciência, e, como é natural, essa capacidade lhes confere grandes vantagens sobre os seus colegas. Um médico que falece não raro continua, após a morte, a interessar-se por seus pacientes e, algumas vezes tenta curá-los do outro lado, ou sugere - a seu sucessor encarregado do caso - tratamento que, com sua recém-adquirida faculdade astral, julga ser indicado. Conheci um médico - membro de nossa Sociedade - que, logo após a sua morte, promoveu reuniões com todos os seus pacientes anteriormente falecidos, e lhes passou a pregar a Teosofia, de modo que agora se ocupa no mundo astral com numeroso grupo de discípulos.
Sei também de muitos casos de amizades formadas no mundo astral. Acontece muitas vezes que membros de nossa Sociedade, que vivem em regiões opostas do mundo e não têm oportunidade de se encontrar fisicamente, se conhecem, entretanto, em sua vida astral. Quando estão efetivamente em lados opostos do mundo, o dia de um é noite para o outro, mas geralmente há uma transposição para tornar possível o conhecimento, os que são no mundo físico leitores assíduos continuam suas atividades nessa linha durante o sono. Grupos de estudantes prolongam suas reuniões, e, com as facilidades adicionais que o mundo astral lhes propicia, são quase sempre capazes de solucionar problemas que aqui apresentavam dificuldades.
Não só os amigos mortos, mas os amigos vivos, que estão do outro lado da terra, nos rodeiam durante o dia todo, embora não os vejam os nossos olhos físicos. Nunca estamos sós, e, como no mundo astral a maioria dos pensamentos é visível, convêm termos presente à mente esse fato, a fim de evitar que, por inadvertência, enviemos vibrações astrais que possam fazer sofrer aqueles a quem amamos.
Nota de Wagner Borges
Texto extraído do excelente livro “O Lado Oculto das Coisas” – Charles Webster Leadbeater – Editora Pensamento. Charles Webster Leadbeater - Londres, Inglaterra -1847–1934 - foi um excelente clarividente, escritor, orador e uma das mais influentes personalidades da Sociedade Teosófica. Também foi maçom, sacerdote da Igreja Anglicana e Bispo da Igreja Católica Liberal. É o autor de uma grande coletânea de livros e artigos da literatura teosófica e espiritualista, com destaque para:
“Os Chacras”, “O Homem Visível e Invisível”, “O Lado Oculto das Coisas”, “O Que Há Além da Morte”, “Auxiliares Invisíveis”, “O Plano Astral”, “Formas de Pensamento”, “Clarividência”, entre outros.
Notas do texto
* A expressão “Ego” no contexto desses escritos teosóficos se refere ao “Eu Espiritual” – ou “Consciência Espiritual”; é diferente da abordagem clássica orientalista, onde ego é o conjunto de coisas estranhas da personalidade inferior do homem; por exemplo, “fulano de tal está com o ego inflado!”
** O livro “Auxiliares Invisíveis” – publicado no Brasil pela Editora Pensamento - é um dos melhores livros de Leadbeater. Trata das saídas do corpo de dois irmãos para o trabalho projetivo de assistência interplanos.
Fonte
Postado por Wagner Borges no seu site www.ippb.org.br.
Agradecimento
Wagner Borges concedeu-me muito gentilmente, via e-mail, em 11 de setembro de 2007, permissão específica para aqui aproveitar os interessantes e úteis materiais do seu amplo site do IPPB. Muitíssimo obrigado ao Wagner pela sua generosa e inestimável colaboração. Mais detalhes aqui.