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Poesias de JG de Araújo Jorge - Página 2


JG de Araújo Jorge

José Guilherme de Araújo Jorge (Tarauacá, Estado do Acre, 20 de maio de 1914 - Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1987), mais conhecido como J. G. de Araújo Jorge, foi conhecido como o "Poeta do Povo e da Mocidade", um dos mais lidos no Brasil. Ainda estudante venceu concursos de oratória. Foi estudar em Coimbra e em Berlim e também foi deputado federal. Sua obra lírica, de linguagem simples, é impregnada de romantismo moderno, às vezes dramático.
(Resumido e adaptado da Wikipédia)



Índice

Adormecer;
Aquele meu Balão...;
As Estações do Amor...;
Aurora sertaneja;
Bilhete;
Bucólica.


Adormecer

Muita vez, no silêncio, enquanto a noite desce
e pousa sobre a terra o seu manto dourado
de estrelas, no meu quarto, a sós, abandonado,
não tenho pelo mundo o mínimo interesse...

Mas, não sei bem dizer... dentro em meu peito cresce
um sonho, e, de repente, eu sinto, consolado
que alguém vem para mim, que alguém vem ao meu lado,
e me diz bem baixinho alguma estranha prece...

Então, tomo da pena, e espero calmamente...
Uma noite, porém, me lembro, adormeci
sentindo esse esplendor de um céu que está contente,

e não pus no papel mais que um nome sequer...
E só quando acordei, na folha branca, eu vi
que apenas tinha escrito um nome de mulher...


Aquele meu Balão...

Levei o dia todo, a minha tarde inteira,
não joguei futebol e até nem quis brincar
de soldado e ladrão...
Ajoelhado na sala, a minha brincadeira
foi cortar os papeis de cores, e os juntar
fazendo o meu balão...

Só tarde, quando o céu, lá na altura se encheu
de outros muitos balões - eu o levei para a rua
entre grande escarcéu...
Nem sei como o fizera - era mais alto que eu!...
- havia de passar bem juntinho da lua
até tocar no céu!...

Olhando-o não cabia em mim minha alegria,
e a todos, um a um, apontava contente:
- vê? Fui eu que fiz...
Depois... Eu o acendi... Que bola ele fazia!...
- Foi inchando... crescendo... encheu completamente!...
Como fiquei feliz!...

Afinal... vendo-o cheio a vacilar... Soltamos!...
E ele ergueu-se no espaço... e em coro a garotada
gritou numa explosão:
Vai subir !... Vai subir !... Mas, logo nos calamos...
Na noite de luar, na noite enluarada
- pegou fogo o balão !...
......................................................

Hoje, às vezes, me lembro do balão queimado
e choro ao reviver as cousas do passado
que o tempo sepultou...
- É que eu fiz, outra vez, depois daquela idade,
um balão bem maior: - o da Felicidade
que a vida incendiou !...


As Estações do Amor...

Eu tinha para mim que eras pura e sincera,
e por isso, talvez acreditei em ti...
Nesse tempo, em meu ser, fazia a primavera
e as flores do meu sonho em minha alma colhi...
Depois... Foi de repente... Ao passar da estação,
tornou-se o meu amor maior... e mais ardente...
Havia no meu peito o calor do verão,
- e julguei que eras minha, minha inteiramente...
E o tempo foi passando... E tudo, pouco a pouco
mudou - e me senti num completo abandono...
Caíram para sempre as ilusões - e eu, louco,
as vi secar no chão como folhas de outono...
E um dia... Veio o inverno insípido e tristonho,
- fazia muito frio... e em minha alma nevou...
E a neve foi caindo, e sepultou meu sonho
.................................................

As estações do tempo... As estações do amor...
Parecem muito iguais... e diferem no entanto,
- naquelas há o voltar da alegria e da cor
ao de novo surgir, da primavera , o encanto...
Mas nas outras, depois do inverno, nada existe...
Tudo é branco... tristonho... frio e desolado,
- recorda-se a chorar - e vê-se o como é triste
lembrar a primavera antiga do passado !...


Aurora sertaneja

Há silêncio na sombra, e o choro das ramadas
é a música da noite em plena solidão...
A lua se desmancha em luz na escuridão,
prateando a areia branca e fina das estradas...

As matas, raramente, aqui e ali, rasgadas
pelos raios do luar - deixam ver pelo chão,
- ora um curso de riacho em suave lentidão,
ora as cinzas e os paus no claro das queimadas

Na frescura do espaço há místicos perfumes,
e na noite sensual, como estrelas errantes,
cintilam, sem parar, milhões de vaga-lumes...

E em meio à natureza encantada e pagã,
no estojo azul do céu, bordado de brilhantes,
multicor vai se abrindo o leque da manhã! ...


Bilhete

O teu vulto ficou na lembrança guardado,
vivo, por muitas horas!... e em meus olhos baços
Fitei-te - como alguém que ansioso e torturado
Tentasse inutilmente reavivar teus traços...

Num relance te vi - depois, quase irritado
Fugi, - e reparei que ao marcar os meus passos
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado
o teu vulto... o teu rosto... e o clarão dos teus braços!

Talvez eu faça mal em querer ser sincero,
censurarás - quem sabe? Essa minha ousadia,
e pensarás até que minto, e que exagero...

Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo,
que o que escrevo é infantil e absurdo, é fantasia,
e afinal tens razão... nem sei por que te escrevo!


Borges e Eu

O outro, o que chamam Borges, é aquele a quem as coisas acontecem.
Caminho pelas ruas de Buenos Aires e paro por um momento,
talvez algo mecânico, para olhar para o arco de corredor
e para a ferraria elaborada no portal;
sei de Borges pela correspondência,
vejo seu nome numa lista de professores
ou num dicionário biográfico.

Gosto de relógios de areia, mapas, tipografia do século dezoito,
o gosto do café e a prosa de Stevenson;
ele compartilha dessas preferências,
mas de um jeito vaidoso que as transforma
em atributos de um ator.
Seria um exagero dizer
que o nosso relacionamento é hostil;
eu vivo, me permito continuar vivendo,
de forma que Borges possa produzir sua literatura,
e sua literatura me justifica.

Não é nenhum esforço para mim confessar
que ele tenha atingido algumas páginas de valor,
mas estas páginas não poderiam me salvar,
talvez porque
o que é bom não pertença a ninguém, nem mesmo a ele,
mais provavelmente à língua e à tradição.

Além disso, meu destino é perecer, definitivamente,
e somente algum instante de mim pode sobreviver nele.
Pouco a pouco, dou tudo a ele,
apesar de totalmente consciente de seu costume perverso
de falsificar e aumentar as coisas.
Spinoza sabia que todas as coisas
anseiam persistir sendo o que são;
a pedra quer eternamente ser uma pedra e o tigre um tigre.

Permanecerei em Borges,
não em mim mesmo (se é verdade que sou alguém),
mas reconheço menos de mim em seus próprios livros
do que em outros muitos
ou no hábil dedilhar de um violão.
Anos atrás tentei me libertar dele
e fui das mitologias aos subúrbios, aos jogos,
como se dispusesse de tempo infinito,
mas esses jogos agora pertencem a Borges e eu tudo perco.
E tudo pertence ao esquecimento, ou a ele...
Não sei qual de nós escreveu esta página.

Bucólica

Invejo a vida humilde da criatura
dos lugares distantes, sossegados,
onde a terra é mais simples e mais pura
e os céus são transparentes e azulados...

Onde as árvores crescem, na beleza
da galharia exuberante e farta,
e o sol transforma a inquieta correnteza
num dorso rebrilhante de lagarta...

E onde os galhos são mãos cheias de flores
e as flores, taças multicores, vivas,
servindo mel aos tontos beija-flores
e às borboletas trêmulas e esquivas...

Desses lugares cheios de caminhos
como garotos, rabiscando o chão,
e onde os homens são como passarinhos
que são felizes sem saber que são...

E onde as casa, pequenas, de brinquedo,
com os olhos das janelas, como a gente
de dentro do aconchego do arvoredo
olham tudo ao redor, serenamente...

E onde o sol sai mais cedo, e sobre a serra
desdobra o seu lençol feito de luz
e acorda a seiva que intumesce a terra
nos campos verdes ou nos campos nus...

Gosto desses lugares sossegados
onde a vida é mais simples e mais pura,
os céus são transparentes e azulados
e é mais humana e humilde a criatura...

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Fonte dos Textos

"Meu Céu Interior", 1ª ed., set. de 1934.


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