
Poesias de Fernando Pessoa - Página 20
Cancioneiro
(Da página 14 à 26)

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 — Lisboa, 30 de novembro de 1935) foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português.
Índice
Dorme, que a vida é nada!;
Dorme sobre o meu seio;
Do vale à montanha;
Durmo. Se sonho, ao despertar não sei;
É brando o dia, brando o vento;
Ela canta, pobre ceifeira;
Ela ia, tranquila pastorinha;
Elas são vaporosas (Minuete Invisível).
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.
Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.
Melhor entre onde os ramos
Tecem dosséis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.
Dorme sobre o meu seio
Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O 'spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
Do vale à montanha
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte, cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Pr casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.
Durmo. Se sonho, ao despertar não sei
Durmo. Se sonho, ao despertar não sei
Que coisas eu sonhei.
Durmo. Se durmo sem sonhar, desperto
Para um espaço aberto
Que não conheço, pois que despertei
Para o que inda não sei.
Melhor é nem sonhar nem não sonhar
E nunca despertar.
É brando o dia, brando o vento
É brando o dia, brando o vento
É brando o sol e brando o céu.
Assim fosse meu pensamento !
Assim fosse eu, assim fosse eu !
Mas entre mim e as brandas glórias
Deste céu limpo e este ar sem mim
Intervêm sonhos e memórias...
Ser eu assim ser eu assim !
Ah, o mundo é quanto nós trazemos.
Existe tudo porque existo.
Há porque vemos.
E tudo é isto, tudo é isto !
Ela canta, pobre ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !
Ela ia, tranquila pastorinha
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...
"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...
Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _
Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...
Elas são vaporosas
(Minuete Invisível)
Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar...
Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos...
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos...
Passam e agitam a brisa...
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora...
Passam nos ritmos da sombra...
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene...
E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio...
Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar ...
Próxima (21) | Índice | Anterior (19)
Fontes
www.cfh.ufsc.br/~magno/
cancioneiro.htm e
Ciberfil Literatura Digital
Versão para Adobe Acrobat Reader por Rodolfo S. Cassaca, março de 2002.
www.ciberfil.hpg.ig.com.br
E-mail: ciberfil@yahoo.com
Nota de Euro Oscar
Adaptado para este sítio por mim, mantendo-se o teor dos textos originais, em novembro de 2008. Textos revisados e adaptados para o Novo Acordo Ortográfico e páginas tornadas responsivas em junho e julho de 2019.
Buscar no Site