Seleção de poesias

Poesias de Cecília Meireles - Página 2


Cecília Meireles, poetisa brasileira

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 - Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964), foi uma jornalista, pintora, professora e uma das mais importantes poetisas do Brasil. Em 1934 fundou a primeira Biblioteca Infantil do Brasil, no Rio de Janeiro.
(Resumido e adaptado da Wikipédia e de outras fontes)



Índice

Noções;
Encomenda;
Noturno;
Suavíssima;
De um Lado Cantava o Sol.


Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...


Encomenda

Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.


Noturno

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?

Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,
na turbulência das horas?

Que valem a conversa apenas murmurada,
a erma ternura, os delicados adeuses?

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?

O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.

Porque havia nas úmidas paragens
animais adormecidos, com o mesmo mistério humano:
grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas,
sem compromissos de viver.

Grandes animais sem passado, sem antecedentes,
puros e límpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noções de água e de primavera nas tranquilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.

Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.

Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!


Suavíssima

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma...

Fica-se longe, quase morta, como ausente...
Sem ter certeza de ninguém...de coisa alguma...
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,

De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente...

Os galos cantam, no crepúsculo dormente...
Tão para lá!...No fim da tarde...além da bruma...

E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma...

Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma...
E os galos cantam, no crepúsculo dormente...


De um Lado Cantava o Sol

De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim...


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