
Poesias de Cecília Meireles - Página 8

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 - Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964), foi uma jornalista, pintora, professora e uma das mais ilustres poetisas do Brasil. Teve uma educação religiosa e começou a escrever poesias aos nove anos de idade. Recebeu vários prêmios e homenagens, inclusive no Chile e na Índia por suas obras literárias. Também ministrou muitas palestras e conferências no Brasil e no exterior, sobre literatura e educação. Em 1934 ela fundou a primeira Biblioteca Infantil do Brasil, no Rio de Janeiro.
(Resumido e adaptado da Wikipédia e de outras fontes)
Índice
Atitude;
Corpo no Mar;
Luar;
Diálogo;
Estrela;
Desventura;
Noturno;
Epigrama Número 7;
Realejo;
Fadiga.
Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.
O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.
Corpo no Mar
Água densa do sonho, quem navega?
Contra as auroras, contra as baías:
barca imóvel, estrela cega.
Bate o vento na vela e não a arqueia.
— Não foi por mim!
Partiram-se as cordas, rodaram os mastros,
os remos entraram por dentro da areia...
Os remos torceram-se, e trançaram raízes.
— Inútil forçá-los — alastram-se, fogem
na sombra secreta de eternos países...
Mudou-se a vela em nuvem clara!
Choraram meus olhos, minhas mãos correram...
— Alto e longe! — Não foi por mim...
E apenas para
um corpo na barca vazia,
à mercê das metamorfoses,
olhos vertendo melancolia...
O vento sopra no coração.
Adeus a todos os meridianos!
Deito-me como num caixão.
Ah! sobrevive o mar no meu ouvido...
"Marinheiro! Marinheiro!"
(Ilhas...Pássaros...Portos... — nesse ruído,
— O mar...O mar!...O mar inteiro!...)
Mas é tempo perdido!
Luar
Face do muro tão plana,
com o sabugueiro florido.
O luar parece que abana
as ramagens na parede.
A noite toda é um zumbido
e um florir de vagalumes.
A boca morre de sede
junto à frescura dos galhos.
Andam nascendo os perfumes
na seda crespa dos cravos.
Brota o sono dos canteiros
como o cristal dos orvalhos.
Diálogo
Minhas palavras são a metade de um diálogo obscuro
continuado através de séculos impossíveis.
Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.
Nossas perguntas e respostas se reconhecem
como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
Conversamos dos dois extremos da noite,
como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...
E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.
Estrela
Quem viu aquele que se inclinou sobre palavras trêmulas,
de relevo partido e de contorno perturbado,
querendo achar lá dentro o rosto que dirige os sonhos,
para ver si era o seu que lhe tivessem arrancado?
Quem foi que o viu passar com sues ímãs insones,
buscando o polo que girava sempre no vento?
— Seus olhos iam nos pés, destruindo todas as raízes líricas,
e em suas mãos sangrava o pensamento.
E era o seu rosto, sim, que estava entre versos andróginos,
preso em círculos de ar, sobre um instante de festa!
Boca fechada sob flores venenosas,
e uma estrela de cinza na testa.
Bem que ele quis chamar pelo seu nome em voz muito alta,
— mas o desejo não foi além do seu pescoço.
E ficou diante de sua cabeça, estruturando-se
como o frio dentro de um poço.
E não pôde contar a ninguém seu fim quimérico.
A ninguém. Pois a língua que fôra sua estava morta,
e ele era um prisioneiro entre paredes transparentes,
entre paredes transparentes, mas sem porta.
Disto ele soube. O que nunca entendeu, porém, e o que lhe amarra
o coração com ardents cordas de desgosto
é aquela estrela de cinza — aquela estrela grande e plácida —
derramando sombra em seu rosto.
Desventura
Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.
Onde estava o teu perfume? Ninguém soube.
Teu lábio sorriu para todos os ventos
e o mundo inteiro ficou feliz.
Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
como um segredo que cai do sonho.
Depois, abri as mãos, — e perdeu-se.
Agora, creio que vou morrer.
Noturno
Volto a cabeça para a montanha
e abandono os pés para o mar.
— Coitado de quem está sozinho
e inventa sonhos com que sonhar!
Minhas tranças descem pela casa abaixo,
entram nas paredes, vão te procurar.
Envolvem teu corpo, beijam-te os ouvidos.
— Querido, querido, devias voltar.
Meus braços caminham pelas ruas quietas:
— caminho de rios, fluidez de luar... —
levam minhas mãos por todo o seu corpo:
— Querido, querido, devias voltar.
Partem os meus olhos, parte a minha boca,
Na noite deserta, ninguém vê passar,
pedaço a pedaço, minha vida inteira,
nem na tua casa me escutam chegar.
Meu quarto vazio só pensa que durmo...
Coitado de quem está sozinho
e assiste o seu próprio sonhar!
Epigrama Número 7
A tua raça de aventura
quis ter a terra, o céu, o mar.
Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...
A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.
A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.
Realejo
Minha vida bela,
Minha vida bela,
nada mais adianta
si não há janela
para a voz que canta...
Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo,
boca da minha vida.
Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,
nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...
Alucinação
da cabeça tonta!
Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.
Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.
Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
si não há janela
para a voz que canta...
Fadiga
Estou tão cansada, tão cansada,
estou tão cansada! Que fiz eu?
Estive embalando, noite e dia,
um coração que não dormia
desde que o seu amor morreu.
Eu lhe dizia: "Deixa a morte
levar teu amor! Não faz mal.
É mais belo esse heroísmo triste
de amar uma coisa que existe
só para morrer, afinal.."
"Deixa a morte... Não chores... dorme!"
Noite e dia eu cantava assim.
Mas o coração não falava:
chorava baixinho, chorava,
mesmo como dentro de mim.
Era um coração de incertezas,
feito para não ser feliz;
querendo sempre mais que a vida —
— sem termo, limite, medida,
com poucas vezes se quis.
O tempo era ríspido e amargo.
Vinha um negro vento do mar.
Tudo gritava, noite e dia,
— e nunca ninguém ouviria
aquele coração chorar.
Uma noite, dentro da sombra,
dentro do choro, a sua voz
disse uma coisa inesperada,
que logo correu, derramada
num silêncio fino e veloz.
"Meu amor não morreu: perdeu-se.
Ele existe. Eu não o quero mais."
O choro foi levando o resto.
Eu nem pude fazer um gesto,
e achei as horas desiguais.
E achei que o vento era mais forte,
que o frio causava aflição;
quis cantar, mas não foi preciso.
E o ar estava muito indeciso
para dar vida a uma canção.
A sorte virara no tempo
como um navio sobre o mar.
O choro parou pela treva.
E agora não sei quem me leva
daqui para qualquer lugar,
onde eu não escute mais nada,
onde eu não saiba de ninguém,
onde deite a minha fadiga
e onde murmure uma cantiga
para ver si durmo, também.
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