
Poesias de Cecília Meireles - Página 11

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 - Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964), foi uma jornalista, pintora, professora e uma das mais aquinhoadas poetisas do Brasil.
(Resumido e adaptado da Wikipédia e de outras fontes)
Índice
Destino;
Quadras;
Noturno;
Origem;
Feitiçaria;
Marcha.
Destino
Pastora de nuvens, fui posta a serviço
por uma campina tão desamparada
que não principia nem também termina,
e onde nunca é noite e nunca madrugada.
(Pastores da terra, vós tendes sossego,
que olhais para o sol e encontrais direção.
Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.
Eu, não.)
Pastora de nuvens, por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho.
Perdida atrás dele na planície aérea,
não sei si o conduzo, não sei si o acompanho.
(Pastores da terra, que saltais abismos,
nunca entendereis a minha condição.
Pensai que há firmezas, pensais que há limites.
Eu, não.)
Pastora de nuvens, cada luz colore
meu canto e meu gado de tintas diversas.
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.
(Pastores da terra, de certeiros olhos,
como é tão serena a vossa ocupação!
Tendes sempre o indício da sombra que foge...
Eu, não.)
Pastora de nuvens, não paro nem durmo
neste móvel prado, sem noite e sem dia.
estrelas e luas que jorram, deslumbram
o gado inconstante que se me extravia.
(Pastores da terra, debaixo das folhas
que entornam frescura num plácido chão,
sabeis onde pousam ternuras e sonos.
Eu, não.)
Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
do dona das reses, do dono do prado.
E às vezes parece que dizem meu nome,
que me andam seguindo, não sei por que lado.
(Pastores da terra, que vedes pessoas
sem serem apenas de imaginação,
podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
Eu, não.)
Pastora de nuvens, com a face deserta,
sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo dos meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário,
e andará por bailes vosso coração.
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não.)
Quadras
Na canção que vai ficando
já não vai ficando nada:
é menos do que o perfume
de uma rosa desfolhada.///
Os remos batem nas águas:
têm de ferir, para andar.
As águas vão consentindo —
esse é o destino do mar.///
Passarinho ambicioso
fez nas nuvens o seu ninho.
Quando as nuvens forem chuva,
pobre de ti, passarinho.///
O vento do mês de Agosto
leva as folhas pelo chão;
só não toca no teu rosto
que está no meu coração.///
Os ramos passam de leve
na face da noite azul.
É assim que os ninhos aprendem
que a vida tem norte e sul.///
A cantiga que eu cantava,
por ser cantada morreu.
Nunca hei de dizer o nome
daquilo que há de ser meu.///
Ao lado da minha casa
morre o sol e nasce o vento.
O vento me traz teu nome,
leva o sol meu pensamento.
Noturno
Suspiro do vento,
lágrima do mar,
este tormento
ainda pode acabar?
De dia e de noite,
meu sonho combate:
veem sombras, vão sombras,
não há quem o mate!
Suspiro do vento,
lágrima do mar,
as armas que invento
são aromas no ar!
Mandai-me soldados
de estirpe mais forte,
com todas as armas
que levam à morte!
Suspiro do vento,
lágrima do mar,
meu pensamento
não sabe matar!
Mandai-me esse arcanjo
de verde cavalo,
que desça a este campo
a desbaratá-lo!
Suspiro do vento,
lágrima do mar,
que leve esse arcanjo meu longo tormento,
e também a mim, para o acompanhar!
Origem
O tempo gerou meu sonho na mesma roda de alfareiro
que modelou Sirius e a estrela Polar.
A luz ainda não nasceu, e a forma ainda não está pronta:
mas a sorte do enigma já se sente respirar.
Não há norte nem sul: e só os ventos sem nome
giram com o nascimento — para o fazerem mais veloz.
E a música geral, que circula nas veias da sombra,
prepara o mistério alado da sua voz.
Meu sonho quer apenas o tamanho da minha alma,
— exato, luminoso e simples como um anel.
De tudo quanto existe, cinge sòmente o que não morre,
porque o céu que o inventou cantava sempre eternidade
rodando a sua argila fiel.
Feitiçaria
Não tinha havido pássaro nem flores
o ano inteiro.
Nem guerras, nem aulas, nem missas, nem viagens
e nem barca e nem marinheiro.
Nem indústria ou comércio, nem jornal nem rádio,
o ano inteiro!
Nem cartas, nem modas. Tudo quanto havia
era o feitiço de um feiticeiro
que toldava o mundo e a melancolia.
Chegaram agora pássaros e flores,
e de novo guerras, aulas, missas, viagens,
e marinheiros com remos e barcas
veem saindo lá do horizonte.
Brotam de novo antigas imagens
das coleções de fotografia...
— moços com roupas de Caronte
e meninas iguais às Parcas.
Por isso é que se tem saudade
do tempo da feitiçaria.
Marcha
As origens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebram as formas do sono
com a ideia do movimento.
Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.
Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
— e caír no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.
Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualque fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo
que tenho, entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música,
meu sonho e meu alimento.
Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.
Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento.
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