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Poesias de Ledo Ivo - Página 1


Ledo Ivo

Lêdo Ivo (Maceió, 18 de fevereiro de 1924 — Sevilha, 23 de dezembro de 2012) foi um poeta, romancista, contista, cronista, ensaísta e jornalista brasileiro. Fez jornalismo e tradução e legou uma vasta obra literária. Ele continuou publicando prolificamente tanto poesia quanto prosa até seus anos finais.
(Resumido e adaptado da Wikipédia)



Índice

A infância redimida;
A Moradia;
A Mudança;
Acontecimento do Soneto;
Canto Grande.


A Infância Redimida

A alegria, crio-a agora neste poema.

Embora seja trágica e íntima da morte
a vida é um reino - a vida é o nosso reino
não obstante o terror, o êxtase e o milagre.

Como te sonhei, Poesia! não como te sonharam...

Escondo-me no bosque da linguagem, corro em salas de espelhos.

Estou sempre ao alcance de tudo, cheio de orgulho
porque o Anjo me segue a qualquer parte.

Tenho um ritmo longo demais para louvar-te, Poesia.
Maior, porém, era a beira da praia de minha cidade
onde, menino, inventei navios antes de tê-los visto.

Maior ainda era o mar
diante do qual todas as tardes eu recitava poemas,
festejando-o com os olhos rasos d′água e às vezes sorrindo de [paixão,
porque grande coisa é descobrir-se o mar, vê-lo existir no mundo.
Ó mar de minha infância, maior que o mar de Homero.

Brinco de esconder-me de Deus, compactuo com as fadas
e com este ar de jogral mantenho querelas com a morte.
Depois do outro lado, há sempre um novo outro lado a conquistar-se...
Por isso te amo, Poesia, a ti que vens chamar-me para as califórnias da vida.
Não és senão um sonho de infância, um mar visto em palavras.

(Em "O Sinal Semafórico", 1974.)


A Moradia

Se a chuva mora no céu
e o arrependimento na alma
terás que habitar em mim
como a chama na fogueira.

Mora o orvalho no capim
e o sangue mora nas veias.
Terás que habitar em mim
como o dia na paisagem.

Se a valsa mora na música
e o amor em toda parte
se os galos moram na aurora
terás que habitar em mim.

Mora a viagem nos navios
que vão por águas sem fim.
Reside o tempo nas horas
e as ilhas moram nos mapas.

Tu que passas como os autos
pelos asfaltos molhados
e deslizas como as folhas
fulminadas pelo outono

e atravessa o meu peito
como o punhal da Beleza
e te hospedas no vazio
como os anestesiados

terás que habitar em mim
na moradia sem portas
onde eu me consumo e gasto
dando calor, vida e forma

a estas palavras mortas
que são as telhas e os caibros
— terás que habitar em mim —
de tua casa, Poesia!

(Em “O sinal semafórico”, 1974.)


A Mudança

Mudo todas as horas.
E o tempo, sem demora,
muda mais do que fia.

Mudo mas permaneço
bem longe das mudanças.
Como uma flor, floresço.
Sou pétala e esperança.

Mudo e sou sempre o mesmo,
igual a um tiro a esmo.
Como um rio que corre.

Sem sair de onde estou,
de tanto mudar sou
o que vive e o que morre.

(Em "Plenilúnio", 2004.)


Acontecimento do Soneto

À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros

versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.

Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,

irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.


Canto Grande

Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.

Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.

Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.

De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.

Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.

Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.

Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.

(Em "Poesia Completa", 2004.)

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Fontes

Revista Prosa, Verso e Arte

Templo Cultural Delfos


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